O pecado não
morava ao lado. Não, não se atrevia a chegar tão perto. Morava logo no fim da
rua, e se chamava Maria Clara. Era a perdição de todos os garotos do bairro,
apesar de ainda serem perfeitamente capazes de trocá-la sem hesitar por uma
partidazinha de futebol no campo improvisado da esquina. As outras meninas
nunca se igualariam àquela donzela em construção, que vivia com uma tia-avó
velha e ranzinza: o dragão, como costumava dizer Pedrinho, o maior admirador de
Maria Clara.
Todos os
domingos de manhã, Pedrinho ia à igreja com os pais. O menino, que há pouco
perdera o seu diminutivo depois de orgulhosamente completar 11 anos de idade,
ainda carregava o apelido que com certeza o acompanharia para sempre. E era na
missa que ele a via: desfilando um vestido branco rodado e sapatilhas
brilhantes. Seus cabelos eram loiros e muito lisos, soltos até o meio das
costas, levemente escondidos por detrás de um véu rendado. A boca era rosada e
tinha olhos verdes espertos, de uma menina que gosta de ser cobiçada. Bons
tempos aqueles, em que garotas de 10 anos de idade não se empenhavam tanto em
parecer mais velhas.
Pedrinho, por
sua vez, era sardento, exageradamente alto para a idade e muito magricela. Seus
olhos eram baixos, como se sempre tristes; os cabelos escuros e lisos formavam
redemoinhos atrás da cabeça. As roupas lhe pareciam constantemente largas, por
mais que a mãe se empenhasse em ajustá-las na máquina de costura. E, como se
não bastasse, era tímido como nunca se viu igual.
Na missa,
Pedrinho nem sequer dava atenção ao que dizia o padre (um velho francês e já
meio caduco, que falava português com um sotaque carregado). Estava ocupado
demais observando aquela menina tão bela. Maria Clara, por sua vez, não era
boba: sabia que havia um garoto sentado ali, do outro lado da igreja, encarando-a
firmemente. Mas era ótimo fingir que não tinha percebido, tentar agir
naturalmente e dar um jeitinho de espiá-lo também – sem que a tia percebesse, é
claro. Era um menino agradável, tinha de admitir. O nome dele não sabia, apenas
tinha vaga lembrança de vê-lo brincando no quintal de uma casa no início da rua
onde ela também morava.
Depois da missa,
Pedrinho ia embora, sem compartilhar com ninguém a sua felicidade por tê-la
visto. Maria Clara... sempre tão bela! Sabia que máximo que ganharia se falasse
de sua amada para alguém mais velho seria algum tipo de riso debochado, seguido
de um comentário maldoso: "Tome vergonha, menino! Garotos da sua idade não
podem se apaixonar!" Mal sabiam os adultos o quanto estavam errados...
Era uma quinta-feira
cinza e gelada. Faziam quatro longos dias que Pedrinho não via sua "namorada".
Voltava apressado da escola para casa, andando apressado e esfregando os braços
para afugentar o frio – maldita a hora em que fora se esquecer de levar o
casaco. Sempre passava devagarinho na porta da casa de Maria Clara, esticando o
pescoço para ver além das cortinas amarelas nas janelas. Mas naquele dia,
esquecera-se disso também.
– Olá – o
cumprimento pegou o menino de surpresa.
Ofegante,
colocou uma das mãos no peito antes de responder.
– Oi.
– Sou Maria
Clara – disse a menina, abrindo um largo sorriso.
"Eu
sei", quis ele responder, mas não se atreveu.
– E eu, Pedrinho
– o rosto enrubescido.
A menina riu
timidamente.
– Mas você é tão
alto...
Ele sentiu um
formigamento nas bochechas, e respondeu encarando os pés: – Bem... o eu nome
verdadeiro é Pedro.
– Ah – ela fez
uma pausa, também olhando para baixo, como se pensasse em alguma maneira de
alongar a conversa – Minha tia-avó costuma me chamar de Clarinha.
Silêncio.
– Você sabe
brincar de peão? – foi o melhor que Pedrinho conseguiu improvisar.
– Não – ela
respondeu, as borboletas no estômago do garoto voando mais alvoroçadas do que
nunca – E você, sabe?
Ele tirou o
brinquedo do bolso.
– Sou o melhor
do colégio – gabou-se, com ares de vencedor.
– Eu gostaria de
aprender – a menina esboçou um sorriso de leve – Se... você puder ensinar, é
claro.
Pedrinho olhou
nervoso para a janela da casa.
– Mas e se a sua
tia...
– Foi à
mercearia – interrompeu Clarinha.
Pedro e Maria
Clara, outrora estranhos, agora brincavam juntos: apenas apreciando a presença
um do outro enquanto podiam. Teriam vinte minutos até que a tia-avó retornasse
e desse-lhes uma bronca por estarem conversando: "Não é direito um menino
e uma menina ficarem sozinhos assim", diria. Mas até lá, eram apenas os
dois: vivendo seu amor mútuo e verdadeiramente puro.
Que lindo... Apesar do melodrama adorei!
ResponderExcluirVocê me conhece, Leh, "melodrama" é o meu ponto forte! (risos) Não é isso o que a gente sempre dizia?
ExcluirLi a postagem de cima, gostei da forma segura de expor as letras.
ResponderExcluirNesta segunda cabe toda beleza de uma paixão menino e menina! É de rir a indagação do primeiro encontro: "– Você sabe brincar de peão?"
É de fechar o riso: pois, é bem assim que o amor começa.
Jose Vitor!
ExcluirQue bom saber que gostou... eu quis que o amor de Pedrinho e Maria Clara fosse algo puro e bonito, que parecesse inocente. Fico feliz por ter alcançado esse meu objetivo!
Obrigada pelo comentário tão gentil!
Olá, Larissa S.,
ResponderExcluirtomei a liberdade de ler seu conto, e utilizá-lo em uma de minhas avaliações (sou professor de português). Além disso, fiz algumas correções para a minha prova, mas não alterei em qualquer hipótese o texto.
É claro que os créditos foram dados à autora e ao blog.
Espero que não se importe.
Atenciosamente,
G. Ornellas