segunda-feira, 28 de maio de 2012

História de um primeiro amor



O pecado não morava ao lado. Não, não se atrevia a chegar tão perto. Morava logo no fim da rua, e se chamava Maria Clara. Era a perdição de todos os garotos do bairro, apesar de ainda serem perfeitamente capazes de trocá-la sem hesitar por uma partidazinha de futebol no campo improvisado da esquina. As outras meninas nunca se igualariam àquela donzela em construção, que vivia com uma tia-avó velha e ranzinza: o dragão, como costumava dizer Pedrinho, o maior admirador de Maria Clara.
Todos os domingos de manhã, Pedrinho ia à igreja com os pais. O menino, que há pouco perdera o seu diminutivo depois de orgulhosamente completar 11 anos de idade, ainda carregava o apelido que com certeza o acompanharia para sempre. E era na missa que ele a via: desfilando um vestido branco rodado e sapatilhas brilhantes. Seus cabelos eram loiros e muito lisos, soltos até o meio das costas, levemente escondidos por detrás de um véu rendado. A boca era rosada e tinha olhos verdes espertos, de uma menina que gosta de ser cobiçada. Bons tempos aqueles, em que garotas de 10 anos de idade não se empenhavam tanto em parecer mais velhas.
Pedrinho, por sua vez, era sardento, exageradamente alto para a idade e muito magricela. Seus olhos eram baixos, como se sempre tristes; os cabelos escuros e lisos formavam redemoinhos atrás da cabeça. As roupas lhe pareciam constantemente largas, por mais que a mãe se empenhasse em ajustá-las na máquina de costura. E, como se não bastasse, era tímido como nunca se viu igual. 
Na missa, Pedrinho nem sequer dava atenção ao que dizia o padre (um velho francês e já meio caduco, que falava português com um sotaque carregado). Estava ocupado demais observando aquela menina tão bela. Maria Clara, por sua vez, não era boba: sabia que havia um garoto sentado ali, do outro lado da igreja, encarando-a firmemente. Mas era ótimo fingir que não tinha percebido, tentar agir naturalmente e dar um jeitinho de espiá-lo também – sem que a tia percebesse, é claro. Era um menino agradável, tinha de admitir. O nome dele não sabia, apenas tinha vaga lembrança de vê-lo brincando no quintal de uma casa no início da rua onde ela também morava.
Depois da missa, Pedrinho ia embora, sem compartilhar com ninguém a sua felicidade por tê-la visto. Maria Clara... sempre tão bela! Sabia que máximo que ganharia se falasse de sua amada para alguém mais velho seria algum tipo de riso debochado, seguido de um comentário maldoso: "Tome vergonha, menino! Garotos da sua idade não podem se apaixonar!" Mal sabiam os adultos o quanto estavam errados...
Era uma quinta-feira cinza e gelada. Faziam quatro longos dias que Pedrinho não via sua "namorada". Voltava apressado da escola para casa, andando apressado e esfregando os braços para afugentar o frio – maldita a hora em que fora se esquecer de levar o casaco. Sempre passava devagarinho na porta da casa de Maria Clara, esticando o pescoço para ver além das cortinas amarelas nas janelas. Mas naquele dia, esquecera-se disso também.
– Olá – o cumprimento pegou o menino de surpresa.
Ofegante, colocou uma das mãos no peito antes de responder.
– Oi.
– Sou Maria Clara – disse a menina, abrindo um largo sorriso.
"Eu sei", quis ele responder, mas não se atreveu.
– E eu, Pedrinho – o rosto enrubescido.
A menina riu timidamente.
– Mas você é tão alto... 
Ele sentiu um formigamento nas bochechas, e respondeu encarando os pés: – Bem... o eu nome verdadeiro é Pedro.
– Ah – ela fez uma pausa, também olhando para baixo, como se pensasse em alguma maneira de alongar a conversa – Minha tia-avó costuma me chamar de Clarinha.
Silêncio.
– Você sabe brincar de peão? – foi o melhor que Pedrinho conseguiu improvisar.
– Não – ela respondeu, as borboletas no estômago do garoto voando mais alvoroçadas do que nunca – E você, sabe?
Ele tirou o brinquedo do bolso.
– Sou o melhor do colégio – gabou-se, com ares de vencedor.
– Eu gostaria de aprender – a menina esboçou um sorriso de leve – Se... você puder ensinar, é claro.
Pedrinho olhou nervoso para a janela da casa.
– Mas e se a sua tia...
– Foi à mercearia – interrompeu Clarinha.
Pedro e Maria Clara, outrora estranhos, agora brincavam juntos: apenas apreciando a presença um do outro enquanto podiam. Teriam vinte minutos até que a tia-avó retornasse e desse-lhes uma bronca por estarem conversando: "Não é direito um menino e uma menina ficarem sozinhos assim", diria. Mas até lá, eram apenas os dois: vivendo seu amor mútuo e verdadeiramente puro.

5 comentários:

  1. Que lindo... Apesar do melodrama adorei!

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    1. Você me conhece, Leh, "melodrama" é o meu ponto forte! (risos) Não é isso o que a gente sempre dizia?

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  2. Li a postagem de cima, gostei da forma segura de expor as letras.
    Nesta segunda cabe toda beleza de uma paixão menino e menina! É de rir a indagação do primeiro encontro: "– Você sabe brincar de peão?"
    É de fechar o riso: pois, é bem assim que o amor começa.

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    1. Jose Vitor!
      Que bom saber que gostou... eu quis que o amor de Pedrinho e Maria Clara fosse algo puro e bonito, que parecesse inocente. Fico feliz por ter alcançado esse meu objetivo!
      Obrigada pelo comentário tão gentil!

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  3. Olá, Larissa S.,

    tomei a liberdade de ler seu conto, e utilizá-lo em uma de minhas avaliações (sou professor de português). Além disso, fiz algumas correções para a minha prova, mas não alterei em qualquer hipótese o texto.

    É claro que os créditos foram dados à autora e ao blog.

    Espero que não se importe.

    Atenciosamente,

    G. Ornellas

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