sábado, 23 de fevereiro de 2013

Vinte e dois de fevereiro



Fazia exatamente sete anos desde a última vez.
Sete longos anos de uma promessa dessas, aparentemente fadada ao esquecimento, mas que o tempo não foi capaz de varrer da lembrança. “Encontre-me outra vez”, ela dissera. “Quando?” – ele perguntou, incapaz de deixá-la ir. “Nesse mesmo dia, sempre neste dia, nos anos que vierem. Espere por mim no farol.”
Ele chegou antes que o sol nascesse, por não querer cometer o mesmo erro das seis últimas vezes. Estacionou o carro e respirou fundo, quando o pensamento lhe ocorreu. O pensamento que, nos últimos sete anos se provou verdadeiro: Ela jamais veio. E jamais virá. Por que insisto em fazer isso? Centenas de vezes tinha jurado a si mesmo que não faria isso novamente, que não se daria ao trabalho de levar a sério palavras tão vazias; mas era óbvio que, no fim das contas, sempre se agarrava ao último fio de esperança. E se tivesse chegado tarde demais ou ido embora muito cedo, em todos os últimos dias vinte e dois de fevereiro? Talvez ela viesse todos os anos, mas a paciência para esperá-la tivesse sido insuficiente. Será que se mede o amor pelo tempo que se espera? Se sim, sentia-se envergonhado por ter um amor tão pequenino.
Ainda que desativado há anos – talvez décadas –, o farol crescia imponente no topo de uma colina de pedregulhos em frente ao mar. Lá embaixo, a uma altura vertiginosa, as ondas batiam nas pedras e curvavam-se de volta, agitadas com o crepúsculo que lançava uma luz pálida sob as primeiras horas da manhã. Caminhando monte acima com certa dificuldade devido à pouca claridade, o pobre homem solitário observava o contorno do farol esquecido na praia, com suas listras horizontais das cores branco sujo e carmim desbotado. E se perguntava, como sempre fizera, o motivo de ela ter escolhido aquele lugar.
Sentou-se numa pedra olhando para o mar e para a lua, que ainda teimava em brilhar e chamar a atenção, mesmo depois da noite já ter sido deixada para trás e suas horas de glória já tivessem ido com ela. Sentiu a brisa salgada chegar e ir-se embora. Viu os pássaros se alimentarem até que eles e seus filhotes estivessem satisfeitos. Hipnotizou-se por um bom tempo com as ondas. Atirou algumas pedras no mar para passar as horas. Procurou algumas formas em nuvens, apesar de nunca ter sido realmente bom nisso. Percorreu todos os arredores e, por fim, voltou a sentar-se na mesma pedra de antes. A manhã há muito tinha se transformado em tarde; e esta, adquirindo tons avermelhados, preguiçosamente preparava-se para virar noite.
O sol se punha num espetáculo no horizonte, que parecia próximo o suficiente para se nadar até ele. Tocando um mar magnífico e intenso, a enorme bola de fogo parecia ser engolida pela imensidão do oceano. Olhando para cima, num último adeus ao farol, que competia em beleza e esplendor com o por do sol, disse adeus também ao sonho infundado de um dia reencontrá-la. E, descendo a encosta íngreme, por um ou dois segundos, chegou a ter certeza de que sua insistência tinha sido em vão. Instantes depois, entretanto, notando uma nuvem de poeira aproximando-se em alta velocidade, percebeu que um carro acelerava em direção ao farol. Estarrecido pela visão, com o coração a ponto de saltar para fora do peito, continuou parado e imóvel enquanto o veículo de vidros escuros parou a poucos metros de distância.
A porta se abriu. E, sim, era ela.
Correram um para o outro com a saudade impulsionando-lhes ao reencontro. Amaram-se em um abraço. Completos novamente.
– Por que você demorou tanto? – mesmo que as lágrimas pudessem ter sido evitadas antes de saltarem dos olhos, ele não se deu ao trabalho de contê-las, por não ter vergonha de chorar sua felicidade.
A resposta foi curta e risonha: – Tinha esperanças de não encontrá-lo aqui.
– O que quer dizer? – a voz soava preocupada e um pouco soluçante.
Afrouxaram o abraço e olharam-se longamente, antes que ela respondesse.
– Pouparia-me o tempo de pedir desculpas por demorar tantos anos para vir também.



(Baseado em uma história quase real.)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Das incoerências


Olhei-o com desdém. Ostentando um meio sorriso de desprezo, o rosto dele mostrava-se indiferente aos pensamentos que eu acabara de compartilhar. Arrependi-me amargamente por ter permitido que ele soubesse. Desejei poder retirar o que disse, mas quando se fala por impulso, muito se diz e pouco se aproveita.
– Você é tão idiota! – dissemos ao mesmo tempo, depois de um longo período de silêncio e pensamentos atordoados.
O rosto indiferente transformou-se em um esgar de fúria, e a respiração ficou entrecortada. E então eu notei que também respirava com dificuldade. Era como se nós dois tivéssemos aceitado o insulto, não podendo lutar contra uma verdade tão palpável. Mas, ainda assim, não nos detemos. Falamos ao mesmo tempo e em altos tons, numa discussão duradoura. E, ao fim dela, encaramos um ao outro com ar de superioridade. Quem vencera, não sei dizer: provavelmente ninguém. Porém, era sempre eu quem cedia primeiro. Encarando aquele rosto intransigente, desisti de me fazer entender. E nesse instante, sem conseguir me entender comigo mesmo, guardei o espelho e voltei para a cama: obrigado a dormir de mal comigo mesmo. Maldito seja aquele psicólogo da TV, que me fez brigar com a única pessoa com quem eu me entendia!


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

É "E agora?" demais para José de menos. Quando reticências viram ponto final, só o desinteresse sabe ser mais rápido que o interesse.

Com pressa: rumo ao fim


Culpas tão minhas: das muralhas que levantei, cercando o tesouro ao qual deveras dediquei estima – em vão. Consumida pela vaidade e pelas subjetividades que tentei esconder, sinto clamar em mim uma centena de vozes, com pedidos cada vez mais discrepantes. Na real certeza do erro, consomem-se minhas forças enquanto caminho por muitos excessos e uns quantos “nada” – vazia de sentimento.
Agarro o tempo e o prendo entre as mãos, numa tentativa de controlá-lo. Seguro-o em meu domínio como se pudesse ser tua senhora. E, sem perceber, permito-me essa ilusão do controle; enquanto ele silenciosamente se esvai por entre meus dedos, num fim tão rápido que me comove. Guardo-o no bolso, mas seu peso me impede de caminhar, ao mesmo tempo em que desisto de detê-lo. Não se pode aprisionar o que tem sobrenome Liberdade.
Escalei tantas colinas para chegar aqui, que o aqui perdeu o sentido. Caio em tropeços e resvalo em minha fraqueza: onde errôneas certezas contaminam os sonhos que outrora sonhei. Limito-me a ajustar alguns propósitos aos novos dias que chegam e se vão. Assim, entendo a dor de enterrar os vivos; pois as aspirações que tive ainda não puderam morrer. Por entre glórias alheias, saboreio um gosto amargo de moralidades mesquinhas. E na possibilidade de ser o que não fui, acabei me tornando o que não nunca quis ser. Enquanto me fantasio aos olhos do mundo, tenho – intimamente – uma alma nua e um sorriso profundamente contaminado.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Dores às quais me dou


Então eu sou o infinito; mas um infinito ofendido. Um infinito que tem uma dor latejante lá no fundo, somente esperando meu chamado para poder vir doer abertamente. Meus esforços ineficazes de aprisioná-la gritam em uma agonia cansada. E lançando um olhar sóbrio sob minha embriaguez de todas essas inseguranças doídas, insisto em narrar o que narro porque calar não me basta.
Descobri que a dor dói sem piedade, mas não ouso admitir que me vejo em uma constante procura do lado certo das minhas ambiguidades. Talvez porque sinto como se todas as coisas estivessem sendo vistas de um espelho: constantemente invertidas. E, com facilidade, o tempo se dispersa antes que eu possa tocar suas amarras. Sem poder desatar os nós, me afundo em analgésicos que não farão efeito, porque não é só o corpo que dói. Me dói o certo e o avesso. Me doem os olhos e as mãos. Me dói o sim e o não. Me dói a consciência. As costas. As pernas. Os joelhos. As canções. As ambições. Doem-me as dores.
Tateando no escuro com tudo o que me sobra; percebo que o que falta, falta em demasia. Mas a dor de fracassar dói tanto, que prefiro aguentar todas as outras pra não ter de provar dela.