quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Retóricas


Talvez porque seja irritantemente inevitável que minha overdose de pensamentos seja seguida por uma enorme abstinência de palavras. Ou vice-versa.
Acontece que o problema não são as perguntas, mas a falta delas. Partindo da premissa de que as coisas andam muito bem, obrigada, sou levada a acreditar que as fantasias deixaram de ser interessantes. Ainda assim, digo que parei de me adaptar às dúvidas e me apaixonei pelas certezas que crio, na tentativa de convencer-me das impossibilidades mais esdrúxulas possíveis.
Acho que transformei meus medos em um grande amontoado de palhas. E lá estão elas, esquecidas no celeiro: esperando por uma faíscazinha qualquer, para poderem começar a incendiar. Ainda assim, cá estou eu: desabando sob o peso das imbecilidades que me disponho  ainda que involuntariamente  a cometer.
Por não saber se vale a pena, insisto em tentar. E essa é a mágica de tudo isso: o meio compensa o início, e faz o fim merecer uma chance.

sábado, 27 de outubro de 2012

Punição


Eu xinguei terrivelmente durante quinze longos minutos. E gritei a plenos pulmões pra que você abrisse a porra da porta. Mas a resposta que obtive veio do vizinho: dizendo que iria chamar a polícia se eu não desse meia volta e retornasse quando alguém estivesse em casa. Ok, confesso que não tinha pensado na possibilidade de você ter passado a noite fora. É que o meu cérebro não funciona muito bem depois das três ou quatro da manhã.
Eu só desejava que você risse do meu estado, abrindo a porta pra dizer que sou um cretino. Mas você nem isso se dispôs a fazer! Seu apartamento vazio me dava a impressão de que vazio também era meu coração. Então saí de volta para a rua, onde uma chuva fina e gelada me deixou ensopado até os ossos. Só que eu não me importava mais com isso, nem com qualquer outra coisa com que me importei na vida. Talvez fosse efeito do álcool; mas o que me fazia cambalear era o arrependimento, e a visão turva pelas lágrimas que me saltavam incessantemente dos olhos.
Eu nem me lembrava onde é que tinha estacionado o meu carro. Saí andando sem rumo, sem encontrar nem sequer uma cafeteria barata para curar a ressaca com uma xícara de café quente. Então me sentei na calçada, a umas três ou quatro quadras do seu apartamento, e me dei o direito de chorar e sentir vergonha da minha hipocrisia.
E eu lembrei de nossos momentos felizes juntos, sentindo o peso da minha traição sendo arremessado sobre meus ombros de uma só vez. E me odiei tanto por ter levado aquela vadia pra casa depois de algumas doses, que pensei que fosse morrer ali na rua, tamanho era meu arrependimento. Era fim de festa, já não havia muita opção. Pra ser bem sincero, ela nem era tão bonita, em nada chamava a atenção: e foi tão fácil! Não precisei de muito mais que meia hora de conversa. Acontece que eu precisava provar para meus amigos, ali reunidos, que ainda era bom nisso. E sou! Mas, pra ser sincero, nada disso faz diferença. É, me chame de infantil, eu vou entender.
Eu sei que algumas pessoas sabem ser discretas com essas coisas, mas na primeira vez em que eu piso fora da linha, sou descoberto. E agora você sabe que eu sou o cara mais sujo que você conhece. Você e, é claro, aquele seu vizinho porco e mal-educado que me expulsou do prédio!
Nem sei quanto tempo passou, eu só estava preocupado com você. Talvez estivesse sendo consolada por uma amiga, talvez tivesse saído com seu melhor vestido a procura de vingança ou talvez estivesse vagando por aí, sem saber como dar o próximo passo. Eu merecia mesmo o seu desprezo, você  mais uma vez!  estava certa.
O problema de admitir o erro é que acabamos vulneráveis, porque aceitamos qualquer que seja a sentença. Tô dizendo, isso é fato. Naquele momento, eu queria que a vida me desse poucas coisas. A primeira e mais importante, era uma segunda chance sua. Acho que eu deveria ir dormir, mas nem sequer sabia onde estava! Ah, é, isso já não fazia a menor diferença. E essa porcaria de camisa, onde foi que rasguei? 


domingo, 21 de outubro de 2012

Remando


O problema de viver num futuro amparado nos braços de incertezas é que sou impiedosa e constantemente açoitada por possíveis impossibilidades. Todas as palavras e promessas ecoando no vazio do presente. Condutas minhas confusas, enquadradas no total domínio do imprevisível. Como uma dessas feridas pungentes, que só doem quando lembro que existem. Mas, ainda assim, faço questão de ostentar um sorriso passivo para camuflar os impropérios que tenho trancafiados na garganta.
Cada música que me traduz, já não diz tudo o que eu tento dizer. Cada palavra que escrevo, jamais será suficiente para expressar-me. Cada voz que grita-me, não me chama a atenção com o efeito que deveria. Cada dia que atravesso, não me traz a luz necessária para ofuscar a visão da realidade. Cada abraço que me envolve, não toma de mim todo o sentimento que tenho para presentear.
Basicamente assim: sem praticidade; sem constâncias; sem certezas. Simples, sem muitas entrelinhas, tenho o desprazer de comunicar que estou irritada até a última linha tênue que separa meu querer do alcance dos meus poderes e influências sobre a realidade.
Pego meus remos, mas não saio do lugar: é que lá onde o rio se divide, cada metade de mim quer seguir por uma caminho. Porque agora, nesse exato momento, a única certeza que possuo é a existência das minhas centenas de incertezas.

sábado, 20 de outubro de 2012

Carrasco



Você seria capaz de matar alguém? Assim, enfiando a faca e pronto? Assim, lavando as mãos sujas de vermelho e pronto? Assim, escondendo as provas e pronto?
Era nisso o que pensava Jeremias, enquanto encarava o corpo inerte encostado à mesa. Ele fora capaz de matar, sim. E matou-a por amá-la demais! Quando viu, estava morta. Quão efêmera é a vida? Quão fácil é terminá-la? Mas quem mais teria esse direito se não ele? “Era a mim que ela pertencia”, pensava Jeremias. E só ele mesmo tinha o direito de tirar o que é seu.
Há poucos minutos estavam discutindo e ela confessou tê-lo traído; não uma, mas várias vezes. Não com uma só pessoa, mas com várias delas. O sangue lhe subiu à cabeça, a visão ficou turva, os movimentos impensados. Ele a estrangulou com as próprias mãos, enquanto ela falava daquele jeito meio fanho, pedindo perdão e implorando pela própria vida com lágrimas nos olhos amedrontados. Não era a primeira vez que Jeremias espancava a esposa, e ela já se tornara muito boa em se livrar das garras dele. Mas dessa vez foi diferente, ele tinha necessidade de acabar com ela.
Mesmo assim, Cecília conseguiu se esgueirar das mãos carrascas de Jeremias. Ela correu para a cozinha e agarrou uma faca, ameaçando o marido. Disse que se desse mais um passo, ela o mataria. Mas será que seria capaz? Será que dizia a verdade? Não importa mais. O fato é que Jeremias foi. E com um movimento só, arrancou-lhe a faca da mão  arranhando o próprio braço na ponta afiada  e, com a faca suja do próprio sangue, matou a mulher que amava: esfaqueando-a.
E agora? O que faria agora? Estava ela morta, jogada sobre o chão da cozinha. Ficaria assim, e pronto? É dessa maneira que as coisas terminam? Jeremias se levantou e tirou Cecília da poça de sangue, arrastando-a para fora do chalé que alugaram para a viagem. O corpo sendo arrastado para fora deixava um caminho de sangue no piso branco e lustroso. Jeremias cavou por quase uma hora, depois colocou-a dentro; com cuidado, mas sem capricho. Deu-lhe um último beijo e enterrou. Ali mesmo, no quintal. E depois foi embora, sem sentir mais nada.
Não é uma história de amor; nem uma história de morte. É só que a efemeridade da vida é tão simples e tão complexa, que faz pensar. A vida chega e desaparece assim, e pronto. E a rotina, essa assassina de sonhos, nos proíbe sob pena de morte de procurar a felicidade. Não se permita ser morto pelos obstáculos.

“Que você não perca a vida tentando ganhá-la.”
(Autor desconhecido)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

No escape from reality






Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
(...)
Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me
                (Bohemian Rhapsody - Queen)






Não que eu odiasse o dia, mas preferia a noite. E sair à noite para um passeio sem destino sempre foi mais que um hobby, talvez uma paixão inexplicável. Eu só colocava meus fones de ouvido, com uma música dramática ou com guitarra pesada, e saía. Pra ouvir o som; ver o mundo; sentir o que quisesse.
Resolvi pegar um ônibus. Não sei o que houve comigo, foi só uma vontade enorme e incontrolável de relembrar os tempos do colégio. Então fui à estação e, ao som de Freddie Mercury esbanjando sabedoria em “Bohemian Rhapsody”, peguei o primeiro ônibus que me pareceu interessante. Sem nem sequer me dar ao trabalho de ler o letreiro e descobrir para onde estava indo, entrei e sentei-me bem no fundo: onde poderia ver as coisas acontecendo.
Lá fora começava a chover; e o vidro, embaçado, dava um aspecto engraçado às coisas. Os postes de iluminação mais próximos pareciam grandes borrões de luz; enquanto os distantes se assemelhavam a pequenas estrelas. Uma mãe andava apressada, segurando a filha pela mão. Um velho senhor caminhava com as mãos no bolso. Um jovem escondia o rosto com o capuz da blusa de frio, tentando se proteger da chuva que começava a cair mais forte.
Dentro do ônibus, era silêncio. As pessoas simplesmente desciam, enquanto outras embarcavam. Todas com a mesma expressão de frustração, todas exibindo a velha carranca de dias chuvosos. E eu me peguei a pensar que talvez, dias chuvosos sejam aqueles em que as pessoas escolhem  por unanimidade e por não haver perigo de contrastarem com a paisagem  para mostrar o que verdadeiramente são.
Meramente existindo, sem viver como se deve, algumas pessoas acabam esquecendo que ser feliz não é obrigação nem necessidade. Mas um presente.

sábado, 13 de outubro de 2012

(dis)simulação

Gastei o dia escrevendo coisas desconexas; porque na verdade, queria guardar minhas abstrações só pra mim. Estou tentando me entender com o meu sarcasmo. Pra fazê-lo soar de um jeito que não pareça brincadeira. Tenho tanto medo de parecer muito menina; muito pequena; muito eu. De vez em quando tenho essa vontade de ser tudo, menos eu. Menos minhas canalhices; menos minhas indiferenças; menos minhas preocupações; menos minha rotina.
Indiferente às curvas, tenho essa a de caminhar em linha reta. Mas acho que passo boa parte do tempo sem saber metade das coisas que deveria, e sem me importar de verdade com elas. Gosto de jogar do jeito errado, na contramão da coerência. É que há algumas coisas meio infelizes que tranquei num quarto escuro e joguei a chave fora, pra jamais me lembrar que existiram.
Era outono. O vento carregado de folhas secas e os pensamentos carregados de confusões. As mãos nos bolsos do sobretudo; e o olhar distante, para além da realidade. E eu decidi que estava de saída, mas você pediu uma segunda chance. No meio da minha afastada ficção, digo que vou ficar. Mas amanhã faço as malas e vou embora de madrugada.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Ainda que sem querer


No banco de trás do táxi a caminho da estação de trem, o que os separava era mais que a quase inexistente distância física. Olhando pela janela, Ernesto tentava imaginar o que diabos Lúcia pensava naquele momento. Enquanto ela, encarando o lado de fora  pela janela oposta –,  não pensava em nada: apenas aproveitava masoquistamente os seus últimos minutos daquela angústia. O motorista, do banco da frente, espiava-os pelo retrovisor de vez em quando, procurando maneiras de iniciar uma conversa  ainda que nas últimas duas tentativas, as respostas que obtivera foram meros “hum” em diferentes entonações.
Os gritos daquela discussão da noite passada ainda ecoavam na cabeça de Ernesto. E ele se sentia tão impossibilitado de agir, que até o ar dentro do táxi parecia mais pesado. Como se, de alguma forma, aproximar-se dela fosse algo impossível  ou que, no mínimo, exigisse um extremo esforço.
E Lúcia, cujos pensamentos giravam em redemoinhos confusos, ainda não tinha certeza de quem dentro daquele carro merecia mais raiva: Ernesto, o motorista tagarela, ou ela mesma.
Na estação de trem, a despedida foi breve. Ele quis beijá-la calorosamente, mas faltou coragem. E ela quis abraçá-lo e pedir desculpas, mas o orgulho falou mais alto. Ernesto covarde, Lúcia orgulhosa: que ironia essa troca de papéis! Mas é que às vezes, ainda que sem querer, somos parecidos com aquelas coisas que desprezamos nas outras pessoas.




terça-feira, 9 de outubro de 2012

Capitalismo Imódico

A cacofonia da alma
De palma em palma
E eu, escravizado por deles
Imaginando seus medíocres dizeres
Quando me encontrassem

Seus ilogismos
Como grandes abismos
Criados entre os iguais
E eles, ah, sempre querem mais
De escravo, virei senhor

Eu sei que sou um rei carrasco
Empurro meus súditos ao penhasco
Mas é isso o que fizeram de mim
Eu, que sou apenas assim
Inexplicavelmente valioso


sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Doce vendaval

Existe um enorme abismo entre as palavras que eu digo e as que eu gostaria de ter dito. Talvez porque meu vocabulário já não é suficiente para definir esse emaranhado de coisas que venho sentindo. Jamais quis te querer em demasia, mas as circunstâncias levaram-me a esse inevitável.
Inconscientemente, eu me peguei com uma vontade enorme de ler pensamentos. Não pra sempre; apenas por um dia. Não de todas as pessoas; apenas os seus. Porque as palavras que me você me dizia prometiam-me o inatingível e, sem que nós dois pudéssemos perceber, conquistam meu bem querer. Palavras tuas trazem-me efeitos de vento. Às vezes suave, feito uma bela calmaria. Às vezes vendaval; arrebatando-me para as terras distantes, habitadas por meus confusos sentimentos por você.
Nunca quis ser protagonista de nenhum romance, mas esse querer meio sem querer agrada meu imaginário criativo. Acho que vou abrir uma exceção e me permitir mais um pouquinho de ilusões dessa vez, só dessa vez. E assim, tolamente, enquanto pensava em ti, fechei os olhos e fiz uma prece: "Por favor, que ainda haja esperanças."
Só não quero acordar em mais uma manhã e descobrir que nada mudou, depois de ter sonhado com o preenchimento do abismo que me separa de você. Peço perdão por esconder-me de ti, mas algumas palavras merecem ser guardadas só para mim. Não me leve a mal quando digo que você se torna ainda mais belo nas palavras que mascaro, nessas linhas confusas que discorro a seu respeito.
E, por ter te amado antes do tempo, perdi você antes da hora.


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Solidão



Andava sozinho pelas ruas desertas da madrugada. Nem sequer conseguia encontrar um motivo sensato para explicar sua súbita vontade de caminhar no meio da noite, depois de acordar de um pesadelo. Mesmo assim, foi.
Lembrou do sonho. E chorou baixinho, mesmo sabendo que ninguém o escutaria, ainda que fizesse barulho. A cidade dormia. As pessoas dormiam. Os prédios dormiam. E a vida, sonolenta, arrastava-se de um jeito que beirava a hipocrisia: divertindo-se dos dias sarcásticos que ele atravessava sem entusiasmo.
Olhou para o céu com indiferença, e um enorme pingo de chuva atingiu-lhe a testa. Era o primeiro, dos muitos que o sucederam. Em poucos segundos, a rua foi acometida por uma tempestade repentina. E, sem guarda-chuvas e sem casaco, a opção era voltar para casa; onde ninguém esperava seu retorno. Onde ninguém notara sua partida. Onde ninguém se lembrava dele.
Mesmo morando com os pais, estes lhe eram estranhos. Mas estranhos diferentes: desses que incomodam. Ainda que acompanhado, era sozinho nesse mundo. E o pecado que cometeu para merecer tal punição foi esse: tentar ser ele mesmo. Quando o dia amanheceu, ele foi dormir. E nunca mais voltou a acordar.
Verdadeiramente, dos venenos desse mundo, a solidão é o mais mortal.