quinta-feira, 24 de julho de 2014

Porre

Tomou um banho quente pra tirar a noite da memória. Despiu-se das roupas que cheiravam a álcool, nicotina e derrota. Estava consciente, porém, que este último cheiro não iria embora com a água. Desapareceria, quem sabe, com um novo porre.
Ali mesmo, no banheiro, chorou novamente até que a cabeça doesse. Depois foi pego por mais uma crise daquela tosse arrastada, que há dois dias aparecia de repente. Uma dessas tosses insistentes que não vão embora nem com xarope, nem com pílulas, nem com xingamentos (em doses bem mais fartas que os dois primeiros). Aproveitou a irritação para exteriorizar a raiva, tossindo como se, ao fazê-lo, pudesse obrigar o universo inteiro a notar a sua tristeza e irritação.
Concluiu, depois de tudo, que seu porre não era de álcool. Estava com ressaca de si mesmo. Tornou-se, ele mesmo, um monstro: depois de tanto tentar combatê-los.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Link para uma série de fotos que vale a pena
O passado não foi feito para ser refeito: sempre suspeito de quem tenta ser perfeito, porque o defeito é só um sujeito que bate no peito e se diz satisfeito com o mau que causou. 
Quanto à nós (que tentamos fazer direito, mesmo faltando de um pouco de jeito), quando nos refazemos bem-feitos, tiramos proveito do que era defeito e todo malfeito se desfaz.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Verniz

Se eu fosse você, eu te mudaria. Só para me gabar de reinventar alguém, visto que a mim mesma não consigo dar ordens de mudança. Mas se eu fosse você, eu também te estragaria. Porque tem coisas que você faz e tem coisas que você diz que estão paradas em mim de um jeito que qualquer alteração seria uma enorme descortesia com memórias tão bonitas.
Atrevemo-nos a nos despir da fina camada de verniz que mascarava nossos defeitos e fraquezas. Pareceu o fim. Mas então não deu mais para negar que o meu lugar é sob o peso do seu abraço-apertado-de-doer-as-costas. E que o seu lugar é no meu colo-de-ganhar-cafuné. Então nós aprendemos que o fim é tão somente um novo começo; e nos entregamos novamente um ao outro. Como quem se entrega pela última vez. Como quem se cansou de devoluções.



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Nota:
Meus queridos, nem acredito que estou de volta. Mesmo já há quase um ano sem postagens novas e certa de que o Infinita Calmaria se tornara apenas uma boa lembrança, me vi revigorada pelas palavras de um leitor que chegaram ao meu e-mail na semana passada (acho que estava precisando de palavras como aquelas para ter de volta algum tipo de motivação para escrever). Estou preparando textos novos e pretendo trazer postagens semanais. Obrigada a todos que mesmo depois de tanto tempo vieram me ler novamente!