segunda-feira, 30 de julho de 2012

Fora de alcance


Alma em desapego é uma das coisas mais belas e mais trágicas que pode existir. Quando não há você e o espaço é só meu, é bonito. Trágico é que tenha eu demais. Sobra. Desperdiça-se  desperdiço-me.
Parei para observar a distancia que nos separa, de um lugar que me pareceu a beira do abismo. Então encarei o breu lá embaixo e dei três passos para trás, só pra garantir que não me atiraria outra vez nesse precipício a que você me leva. Dei as costas para tudo isso e caminhei ziguezagueando por minhas entranhas retorcidas de rancores. E percebi que estava fazendo um esforço enorme para me importar; sem ter sucesso.
Hoje olhei-me no espelho e senti-me tão completa, mas ao mesmo tempo tão cansada. E o bizarro é que eu estava completa justamente pelo cansaço. Acho que completei-me por meio dessa exaustão, por perder tempo a procurar o que não encontro em mim. Porque foi na procura onde descobri: não me faltava nada. Nem ninguém.
Quando penso no futuro, me pego idealizando algumas coisas. E essas coisas não são o que me faltam.
São o que me sobram.

domingo, 29 de julho de 2012

Derivação



À deriva;
A derivada -
À deriva da
Ação.

Aeroporto



Me peguei pensando no momento em que sairia do avião e veria você me esperando. Ensaiei mentalmente o que fazer. E sussurrei para a janela o que diria, tentando imaginar o seu rosto e a sura reação. Mas era impossível prever você. Era tudo “talvez” a seu respeito. Era “talvez”, inclusive, o fato de você me espera no aeroporto. Eu possivelmente teria de pegar um taxi até o seu apartamento.
Fechei os olhos por um minuto e fui transportado de volta no tempo. De volta àquela tarde sentado num café da cidade com um Dostoiévski aberto sobre a mesa, uma xícara de chá ao alcance da mão. Eu não me lembrava do que estava escrito nas últimas três páginas do livro. Não era àquelas palavras que eu prestava atenção, mas às palavras que você me tinha dito minutos antes de eu começar a lê-las.
 Eu tenho a minha vida, Tom. E você a sua. E as nossas vidas estão separadas por mil quilômetros de distância! Você sabe que não estou falando em sentido figurado. Quem de nós dois teria coragem de largar tudo? Não será você. E não serei eu. Até quando pretende insistir nesse teatro? Eu não sou pra você e nem você pra mim. Acho que você deveria sair por aí e encontrar uma outra mulher enquanto eu pego um avião e volto pra casa.
E você se levantou, vestiu o casaco e saiu. A garçonete me perguntou se eu queria mais alguma coisa e eu disse que não, obrigado, estava de saída  mas eu queria, sim. E o que eu queria era algo que e só uma pessoa no mundo seria capaz de me dar.
Quando voltei pra casa, você já tinha saído. “Mulher teimosa!”, foi o que pensei, sem poder evitar um sorriso. Devo ter demorado muito tempo para decidir ir atrás de você, era tarde demais. Concluí que seria inútil dirigir até o aeroporto; porque quando eu chegasse, você já teria partido. Então, ao invés de tentar resgatá-la numa correria desenfreada pelas ruas da cidade, reservei uma passagem para o dia seguinte.
Enquanto isso, eu tinha duas ligações importantes para fazer.
A primeira foi para o meu chefe. E a parte importante da conversa foi a seguinte:
 Alô? Tom?  era a voz do meu chefe.
 Sim, sou eu.
 Em que posso ajudá-lo?  a voz não era de quem oferece ajuda, mas de alguém incomodado pela ligação.
 Eu me demito.
A segunda ligação era para você, que a essa hora estaria voando de volta pra casa. Deixei uma mensagem na caixa postal: “Querida, sou eu. Reservei um voo para amanhã às nove. Espero poder vê-la no aeroporto. Há algo importante que eu preciso dizer.”
Quando o avião pousou, você estava lá. Não pude evitar o sorriso quando percebi que estava parada, esperando-me um ramalhete de flores. Era seu jeito de pedir desculpas. Começou a dizer alguma coisa quando eu me aproximei, mas fui rápido e consegui te silenciar com um beijo.
 O que pode ser tão importante a ponto de fazer Tom Spencer faltar a um dia de trabalho?
 Pedi demissão.
Você sorriu seu sorriso estridente e despreocupado, mas então percebeu que não era uma piada.
 E por que fez isso?
Ajoelhei-me ali mesmo, no chão do hall do aeroporto. Algumas pessoas pararam para observar o que estava acontecendo.
 Quer casar comigo?

sábado, 28 de julho de 2012

17-18


Talvez a minha história se pareça com muitas outras. Mas as histórias se repetem – de um jeito impiedoso e às vezes cruel.
Devo dizer que essas vontades efêmeras são verdadeiros incômodos à soberania dos meus planos traçados e seguidos à risca. Descobri empiricamente que as coisas jamais saem como o esperado. A verdade é que acabo sempre improvisando. Cansei-me de amores rasgados; de lembranças erradas e escolhas repentinas.
Vivo sonhando com o dia em que poderei desinquietar minha quietude. Me perco em tentativas frustradas de escrever o que está tão distante que não pode ser escrito. E procurando entender o que, na verdade, não tem sentido.
Não sei explicar metade das minhas decisões.
Acho que nem sei mais onde é que eu queria ir. Mas sei onde eu cheguei, e pretendo ficar.


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Adeus





Tentei calar a palavra, mas não consegui. A palavra é um nome. E o nome é o seu.
Nunca imaginei que a falta do porta retrato com a sua foto no meu quarto fosse deixá-lo tão vazio. Não posso explicar a bruma que é, encarar a escrivaninha desnuda sem a sua presença. Mas antes eu já chegara a idear, porém, que a falta sua na minha vida seria tão francamente suportável.
Você não se deu ao trabalho de fechar a porta ao sair da minha vida. Não me importei. E isso me fez perceber o quão pouco exigente eu sou. Assim, de tudo que eu vi, o que ficou foi a certeza de que ceder ao recomeço é fatalmente inevitável.
Cá estou, entorpecida. Em um transe exótico de lembranças infundadas que ainda não tive tempo de esquecer. Se houve um momento errado para a sua decisão, foi exatamente esse que você escolheu. Agradeço por mostrar-me sua face.
Perdoe-me por deixar de amar você tão facilmente.
Será que não
percebes, com essa
tua boca suja,




que já me peguei
a desejar a minha
boca na tua?

terça-feira, 24 de julho de 2012

Sobre duas almas distantes



“Sua chamada está sendo encaminhada para caixa de mensagens e estará sujeita a cobrança após o sinal...” Apertei o botão de desligar. Pela terceira vez. E imaginei o telefone tocando em qualquer outro canto da cidade, onde alguém que não queria ouvir minha voz o estaria encarando com impaciência. Talvez tivesse uma pergunta semelhante à minha: o que aconteceu? E também uma resposta irritantemente parecida: nada, apenas o fim.
Tentei novamente.
– Alô? – não era essa a voz que eu esperava. Não que outra pessoa falasse. Apenas faltava-lhe o entusiasmo de outros tempos. Como o som írrito de um silêncio tristonho, a voz era cansada. Não cansada pelo dia, mas pela vida.
– Alô. Sou eu – coisa imbecil de se dizer, mas era tudo o que eu tinha. Ensaiei minha vontade de perguntar o porquê de não ter atendido antes, mas a pergunta morreu na garganta. E, quase ao mesmo tempo, alguma coisa morreu no peito.
– Está tudo bem? – não que de fato quisesse saber.
– Como deveria estar. E com você? – essa distância entre duas almas, outrora tão próximas, era a prova de um sentimento que se tornara outro: menor, pior, distante.
– Da mesma maneira. Nos vemos amanhã? – novamente, a falta do entusiasmo esbofeteando-me a face.
– Talvez eu apareça, ainda não sei – não que eu estivesse ocupada. Era o meu medo de ser forçada a olhar para aqueles olhos metediços uma vez mais; e esta vez tornar-se a última.
– Estarei aqui – sem abraço, sem beijo, sem saudade: mas esperando.
­– Certo. Tchau – onde estava a minha vontade de dizer “eu te amo”?
­– Tchau – e onde estava a dele de amar-me?
Desliguei o celular corajosamente, com a certeza de que tinha algo mais para perguntar.  E muitas, muitas outras coisas para dizer. Eu queria saber expressar-me melhor com o meu silêncio. Mas nunca houve no mundo alguém capaz de explicar-se e ser entendido.
Tão grande era a minha vontade de ficar parada; e esperar o momento em que alguém chegaria esbanjando um vocabulário peculiar qualquer, com sotaque diferente, e me dar um bom motivo para sair e encarar a luz do sol, a cor do dia, o cheiro do mundo. Mas os meus pés calejados extenuaram-se depois desse tempo todo caminhando por terras áridas a procura de campos floridos. Meus olhos frustrados deixaram de ver a saída dessa algazarra que é a realidade. Por um momento chego a até ser alérgica a batalhas infundadas e duelos ilusórios com um eu que existe dentro de mim e eu desconheço.
Não sei quanto tempo demorei pra decidir que a decisão da minha vida estava para ser tomada.
Saí por aí, dirigindo sem rumo. Parei num bar aberto de madrugada; naquela hora em que as pessoas já estão indo embora e as cadeiras estão começando a ser colocadas em cima das mesas. Pedi uma dose e, com ela, engoli minha timidez. E me vi a procurar – no fundo do copo e naquele balcão sujo de um bar ordinário de subúrbio – exatamente aquilo que você me nega.
E um constante questionamento teimava em atormentar-me: será que estou fazendo as escolhas certas pela pessoa errada?

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Edmundo e Janice



Quando Janice conheceu Edmundo, logo se apaixonou. Ele era um mistério cínico e rude, desse tipo cafajeste intelectual. Tinha uma mente brilhante e falava com os olhos – porque com a boca, sinceramente, só dizia impropérios. Era difícil traduzir todas aquelas expressões horrorosas e grosseiras em palavras de afeto, mas Janice já se acostumara. Até mesmo o “eu te amo” daquele homem soava como um xingamento. Ele não fazia por mal. Também não fumava por mal. Nem bebia por mal. Nem lia livros ruins por mal. Na verdade, amava todas essas coisas simplesmente porque as amava – sem nenhum outro motivo aparente. E ele amava Janice.
Mas, antes de qualquer outra coisa, Edmundo amava ser livre. E Janice sabia que um dia ele sairia por aquela porta para comprar mais um maço de seus cigarros baratos e não voltaria nunca mais. Talvez por compensação, queria aproveitar cada segundo junto dele e fazer intenso todos os momentos. Mais cedo ou mais tarde, ele iria deixá-la – não havia tempo a perder, não havia o que temer, não havia como evitar.
Numa tarde qualquer, Edmundo marcou um encontro com Janice num Café decadente que ficava entre uma loja de livros usados e uma lavanderia falida. Ela chegou desfilando seu andar majestoso e seu batom vermelho, sentou-se diante dele e sorriu um sorriso acanhado. Os dois se olharam, se amaram em silêncio e depois conversaram sobre bobagens.
Era fim de tarde quando voltaram para casa de taxi. E naquela noite, Janice dormiu acariciando os cabelos compridos de Edmundo. Ele não dormiu. Ouvia aquela belíssima mulher respirar devagar, sentindo seu corpo tão perto, suas mãos tão macias. Como é possível eternizar um momento? Será que existe alguma maneira? Ele não podia mais aguentar.
Esgueirou-se para fora da cama tão silenciosamente quanto um felino. Apanhou as roupas amarrotadas no chão e as vestiu sem nenhum barulho. Deu uma última olhada em Janice e terminou de decidir que, de fato, ele não a merecia.
“Adeus”, sussurrou. Pegou as chaves, abriu a porta e foi embora esperando que ela não o odiasse ao acordar. 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Tardes cinzentas


Posso segurar a sua mão? Estou com um pouco de medo do que o futuro pode estar escondendo. Pode me olhar com desdém e dizer que estou sendo infantil – não seria a primeira vez. Mas eu apenas não quero que você vá embora. Fica aqui essa noite, só pra eu não estar sozinha comigo mesma por tempo demais. É que passei a madrugada passada tentando encontrar as perguntas certas para as tantas respostas que eu recebi nos últimos dias. Demoro a dormir com tanta coisa girando por minha cabeça. Não quero que aconteça novamente. E você nem sequer faz ideia de quanto isso me consome.
Acho que todas as minhas lembranças rasgadas estão se confundindo. A solidão é inevitável quando me pego a olhar para o passado e ver tantas escolhas inúteis. E essa solidão, confesso, me apavora. É estranho ter de atravessar a longa ponte que separa o que eu era e o que eu me tornei. Cansei-me sinceramente dessas tardes cinzentas e sem pôr do sol que venho sendo.  Já sinto saudade do calor do verão. Do calor do amor. Do calor do meu sorriso de menina. E do calor das palavras que não são mais ditas.
E se eu aparecer e dizer que ninguém nunca conseguiu olhar-me nos olhos e interpretar meus pensamentos? Quem ousaria desafiar-me? Não insulte meus preceitos. Acontece que o meu faz-de-conta é muito mais real que muitas das suas falsas verdades. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Avesso


Tu és um completo avesso de mim. O tempo passou, e os meus temores se foram em nuvens negras. Voltam para me visitar, vez ou outra. Mas tu és o meu antídoto para eles, estou imunizada. E não me importo com todos esses cochichos maldosos que vêem tentando afrontar as minhas convicções. Dessa vez – e somente dessa – a pessoa silenciosa e decidida sou eu. Não temo.
Meu amor, todo cheio de protuberâncias, não é capaz de escorrer-me pelas mãos. E, caso fosse, eu não o permitiria.  Parece uma fábula, dizendo assim. Quem sabe seja mesmo, dessas que vão virar conto de fadas um dia desses. Ou um belo sonho. Daqueles sonhados por um sonhador muito autêntico e muito destemido, que aprendeu a cruzar as pedras pelo caminho. E que descobriu uma fórmula mágica que faz os problemas ficarem pequenininhos, pequenininhos.
De vez em quando, gosto de responder só em pensamento. Então tu me olhas de um jeito diferente, como se pudesse ouvir. Sinto-me descoberta. Oh, não! Talvez tenha pensado alto... Mas então percebo que essa é só a tua maneira de me entender.  Em nossa pressa, os desejos se confundem. Ainda que tímida, escuto também. É o tamborilar dos nossos corações. E entendo o que quer dizer com o seu silêncio, tão semelhante ao meu: desse jeito  torto e avesso.
Se um dia eu deixar de te amar, é porque nunca te amei. O amor não morre e nem acaba, é imortal. Mas se um dia eu te deixar, vou sentir saudades. E só se sente saudade de quem ama. Então eu terei percebido que, de fato, amo você. Nessa hora eu voltarei. Voltarei para poder te amar melhor. 

domingo, 15 de julho de 2012

Desordem e retrocesso


Aumenta o imposto,
Emudecem-se as pessoas.
“É culpa do governo, culpa da situação...”

Aumenta o custo de vida,
Continuam silenciadas.
“É o pais crescendo, minha gente!”

O que cresce, na verdade, é a miséria.
Ninguém diz uma palavra.
“Não temos culpa dos políticos ladrões...”

O time perdeu o jogo.
Oh, não! Aí também já é de mais!
Gritaria.

(ELEIÇÕES 2012: Acordem, brasileiros!) 





terça-feira, 10 de julho de 2012

Feras


Que lindo seria se eu tivesse ido. Se tivesse tido essa coragem. Se tivesse deixado tudo pra trás, esquecido no passado. Me pego imaginando o quão fácil deveria ter sido se eu simplesmente abandonasse meus antigos sonhos imbecis quando ainda era possível. Mas não, meu ego infinito constantemente abafa a voz da razão.
Se não tiver nada mais a dizer, peço que se retire. Deixe-me sozinha com meus pensamentos indigestos por algum tempo. Preciso dar atenção a eles vez ou outra. É que se tornarão hostis caso eu os aprisione por muito tempo.
Mas o meu silêncio faz barulho, como o de uma triste melodia. Rondam-me todos os meus antigos desejos de uma vez, em uma cacofonia desenfreada. E me pego pensando nos antigos planos; aqueles de que abri mão, aqueles de que me esqueci. Acontece que a pior parte de fugir de si mesmo é que mais cedo ou mais tarde, acabamos nos encontrando.
De uma forma meio torta, aprendi a justificar os meus velhos erros com erros novos.


segunda-feira, 9 de julho de 2012


O meu beijo desesperado não é medo de partir.

É medo de não haver motivos para voltar.



sábado, 7 de julho de 2012

Desafio-te a ouvi-lo



Quantos gritos cabem em um silêncio? Quantos desencontros? Quantas descobertas?  Quanta coisa não dita? Quanta magoa escondida?
E quanta felicidade?     
Cheguei à conclusão de que pessoas demasiadamente silenciosas devem ter muito barulho dentro de si. Talvez haja tanta coisa para ser dita que as palavras simplesmente somem – se calam, se escondem, se perdem, se ocultam – por medo de serem repetidas ou ditas de maneira precipitada. Porque nessa luta, o silêncio é vencedor: as palavras nem sempre causam o efeito esperado.  O silêncio, por sua vez, jamais deixa de cumprir o seu papel. Permanente maestria.
As palavras dizem, mas o silêncio fala. Esbanja sabedoria e desfaz o refeito.
É por isso que incomoda.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pedido

Chegou em casa exausto depois do trabalho. Pegou a correspondência na caixa do correio sem nem prestar atenção – era aquela parte do mês em que as contas continuam chegando, mas o dinheiro já se foi –, depois subiu para apartamento. Era um ambiente modesto e aconchegante. Foi até a cozinha, buscou uma cerveja na geladeira e voltou para a sala. A TV ligada no canal esportivo. O celular tocou e, por saber quem era, não fez questão de atender. Retornaria a ligação da namorada no intervalo da programação.
O telefone voltou a tocar. Impaciente, ele olhou para o objeto como se fosse parar quando o fizesse. E então notou as correspondências empilhadas logo abaixo dele. Meio que de propósito, o intervalo de seu programa favorito começou.  E, ao invés de retornar a ligação, optou por um plano B recém concebido. Afinal de contas, precisava manter todas as dívidas em ordem.
O primeiro envelope era uma carta do banco, falando sobre novas taxas de juros e outras inutilidades desinteressantes. O segundo, a conta de luz. E assim por diante. O penúltimo envelope, porém, tinha um aspecto diferente. Não estava lacrado e tudo o que encontrou nele foi o próprio nome, escrito em letras graúdas no campo reservado ao destinatário. Não havia marca de carimbos e nem selos, o que o fez deduzir que o próprio remetente a colocara na sua caixa do correio. Dentro, somente um papel simples dobrado ao meio, com aspecto de bilhete, onde se lia em uma caligrafia torta:

“Pulando a parte dos cumprimentos e formalidades, venho dizer que você não sabe quem sou eu, mas eu te conheço muito bem. Mais até do que gostaria, para ser sincero. Nunca passamos nada além de dois minutos num mesmo ambiente e talvez nem tenhamos trocado mais do que breves cumprimentos um com o outro – você não pode imaginar, entretanto, a quantidade de horas que já passei ouvindo-a exaltar as suas qualidades. Prometo ser breve com minhas palavras: até porque o que tenho a dizer não tomará muito do seu tempo e paciência. São apenas algumas coisas que eu espero que você já tenha descoberto por si só; e outras que desejo ardentemente que jamais se esqueça.Primeiramente, quero que fique ciente da enorme sorte que tem. Você não faz ideia da quantidade de coisas que eu seria capaz de abrir mão para estar no seu lugar quando ela te abraça, te beija ou simplesmente te admira com aqueles grandes e belos olhos castanho-escuros. Você nunca vai saber.Não seja pretensioso acreditando que é o único. Eu também a amo. Estou apenas pedindo de homem para homem: jamais transforme em lágrimas aquele belo sorriso que ela tem. Porque ela... ela é mais do que todas as outras garotas já tentaram ser.
Todas as vezes que o meu telefone toca e eu vejo o nome dela brilhando, juro que por um milésimo de segundo chego a acreditar que os ventos do destino finalmente mudaram a meu favor. Mas não, é só uma nova notícia sobre você: algo supostamente engraçado, romântico ou diferente. Porque ela nunca sentirá por mim o que sente pelo namorado que, de vez em quando, a faz feliz. Espero que você passe a enxergar isso com a mesma magnitude que eu, de agora em diante.Eu a vi crescer. Cresci junto a ela. Você não sabe e nunca vai saber a rapidez com que aquela menina se tornou uma mulher. Você não estava lá para vê-la se transformando, moldando-se até virar o que você tem hoje. Mas eu estava. Eu vi. E posso dizer, sem medo, que ninguém no mundo tem tanta sorte quanto você por tê-la encontrado.  Só não se sinta vaidoso com essas palavras. Já passei tanta coisa por ela e com ela que a conheço praticamente tão bem quanto ela mesma. Muitas vezes já fui o causador daquela gargalhada maravilhosa e musical; e muitas dei colo quando ela chorou.  Você acha que não é difícil esconder o ciúme quando ela declara todo o amor que sente por você? Acha que não é difícil defender você nas muitas vezes em que a magoa, dizendo que vai ficar tudo bem, só para evitar que ela chore novamente? É mais difícil do que você pensa. Ouso até dizer que você não suportaria estar aqui no meu lugar. Pode imaginar a quantidade de vezes em que pensei em contar a ela sobre o que eu sinto? Quantas vezes eu ensaiei isso diante do espelho? Acontece que eu nunca seria capaz de magoá-la da forma que você é.
Sabe, ela tem defeitos que parecem qualidades – e depois de tanto tempo, percebi que, de fato, são. Ela é tão maravilhosa e senhora de si! Ela tem uma alma que canta, um sorriso que dança e um olhar que sorri... Ela gosta de ouvir; às vezes fala demais; chora por coisas triviais; fala antes de pensar, ou pensa muito e acaba não falando; tem um senso de humor inabalável e um conselho pronto para qualquer situação. Ela sonha, acredita e realiza.Sinceramente, depois de tanto tempo, eu desejo que você já tenha percebido todas essas coisas que a fazem especial. E que saiba aproveitá-la e amá-la como ela merece. Porque, sinceramente: depois do próximo descuido seu, eu juro que não hesitarei mais uma vez.
Atenciosamente,  
Alguém que espera que você a faça feliz, ou deixe-a livre para fazer isso por conta própria.”


terça-feira, 3 de julho de 2012





Eu sou aquelas palavras 
que dançaram em sua boca, mas você não teve coragem de dizer.



O que tenho a dizer



Venha, sente-se aqui ao meu lado. Não diga nada, por favor. Quero só o seu silêncio. Quero só a sua presença. Vamos ficar bem perto, como sempre fizemos. Não deixe que distância nenhuma comece a existir entre nós.
Perdoe-me a falta de modos. É que tenho medo de olhar nos seus olhos e ver algum vestígio da dor que você pode não conseguir esconder. Essa angústia de te fazer sofrer me atormenta. Mas nunca fui boa em medir as minhas palavras. Já se tornou demasiado difícil conseguir explicar toda essa confusão de sentimentos que me causaram as suas palavras. Devo confessar que, a princípio, me senti culpada; um tanto assustada, um pouco surpresa e talvez até incrédula.
Uma sutil pitada de vaidade me fez sorrir. Mas agora já não sei o que pensar.
E, sinceramente, sorrir não mais me parece conveniente. Você já deve ter se acostumado com o fato de que eu não encaro as situações como a maioria das outras pessoas. Peço perdão por essa mania inconveniente de não conseguir enxergar as coisas da maneira supostamente mais fácil. Desde pequena tenho essa característica.
Sabe, quando criança, eu sonhava em crescer logo. A vida parecia tão mais bela e tão mais fácil durante da idade madura... Não que eu não odiasse ser criança – apesar de sinceramente também não gostar tanto assim. Mas a minha maior vontade era poder viver aqueles momentos que os adultos aparentavam gostar tanto. Sentia um enorme desejo de saber como era a sensação de ser amada. A sensação de ser abraçada forte, por alguém que sentiu a minha falta durante os trinta segundos que estive fora. A sensação de saber que uma pessoa estava pensando em mim.
Acontece que de repente eu me vi dividida. Confusa. Assustada. Milhões de feras foram soltas. E cá estou, cercada por todas elas. Como se o real e o abstrato tivessem se confundido em uma lufada qualquer da ventania costumeira dessa estação.
Eu me levantei do sofá e do passado, saí de casa e de mim – para pensar um pouco. Era fim de tarde. Porém, o pôr-do-sol não foi o que me intrigou. Mas a lua. Tão linda e brilhante. Tão serena e sozinha. Tão silenciosa, encantando-me com sua sinfonia de compassos vazios. Senti como se ela me estivesse perguntando: “Menina, por que choras?” E eu, como uma lunática, no sentido real da palavra, sussurrei para o vento: “Não sei.”
De um lado do céu ainda era dia. Do outro, era a lua cheia.
Difícil decisão.