quinta-feira, 28 de junho de 2012

Genialidade extinta


Jeremy era um anarquista de sofá. Não tinha uma aparência excêntrica, não pichava muros, não pregava a desordem e nem lia Kropotkin. No auge de seus vinte e três anos, morava sozinho em um apartamento desorganizado cujo aluguel vivia atrasado. Tinha um carro de segunda mão e trabalhava em um emprego que, no fim do mês, lhe rendia uma quantia miserável que mal dava para pagar as contas e a mensalidade da faculdade. Mas, ainda assim, havia muito sangue revolucionário correndo por suas veias quase diabéticas.
Jeremy tinha ideias. Sonhos. Ambições.
Só que em meio à tamanha correria diária, tanto bombardeio de informação, tanto consumismo desnecessário e tanto barulho de gente existindo e esquecendo-se de viver; Jeremy desistiu de tentar. E aquele rapaz que nascera para mudar o mundo, não conseguia nem sequer mudar de vida.
Nascem gênios todos os dias.
E todos os dias, gênios são mortos.

Coração soberano


Se alguém pudesse enxergar as mudanças que acontecem constantemente aqui dentro; viver a minha vida por um minuto sequer; olhar para o mundo com os meus olhos – poderia, enfim, perceber que não sou apenas o que se vê. Gosto de guardar para mim, só para mim, todas as coisas que passei: de uma maneira que ninguém mais poderá um dia compreender.
Meu coração é senhor de si. Manda e desmanda. Grita em seu silêncio compassado. Chora suas lágrimas sutis de tristeza e ri seu riso abobalhado de felicidade. Faz correr por minhas veias muito sangue austero, cheio de vontade e inspiração. Jovem coração, velho sentimento: veja que bela parceria. É uma pena que eu esteja lá, entre os dois, sem saber a quem obedecer.
Talvez um dia eu encontre todas as minhas razões.
É que são tantas que me perco.
Quem sabe eu ache uma maneira de ficar em frente a meus medos? Quem sabe eu consiga afugentá-los? Quem sabe eu descubra uma forma de acertar? Tirando a cabeça das nuvens e recolocando os pés no chão, tentarei alçar voo pra mais longe.  Um lugar só meu, onde eu possa me encontrar, escrever minhas linhas nas entrelinhas e cantar a canção do vento.
Eu sei quando a tempestade está se aproximando.
E acabo de aprender a perceber quando é que ela está indo embora.



quinta-feira, 14 de junho de 2012

Vazios




Algumas pessoas são tão vazias que desisti de tentar preenchê-las. Simplesmente não existe a possibilidade de mudança: estão trancadas dentro de suas fortalezas impenetráveis. Como poderia eu, exército de um só soldado, transpor tamanha barreira? Prefiro poupar esforços. E gastá-los com aqueles que ainda merecem algum empenho. Às vezes me canso de pessoas assim, sem preenchimento. Não possuem nada de bom para oferecer, inertes no tempo e no espaço. O mundo pode gritar seus nomes, mas ainda assim continuam paradas exatamente no mesmo lugar. Me aborreço com tal contradição: como pode alguém chegar ao cúmulo de não sentir vontade de seguir em frente?  Um momento virá em que essa gente será deixada para trás. E suas lamúrias e reclamações serão ainda mais inúteis. Espero sinceramente que esse momento chegue logo, antes que chegue o fim de minha paciência.

Cegueira


Ando sentindo uma saudade tão grande de não-sei-o-quê... E uma enorme vontade de descobrir o que é que pode estar fazendo tanta falta assim. Sabe, a porta que você deixou aberta quando saiu ainda não tinha sido fechada – talvez por egoísmo, indignação ou simplesmente covardia – quando, de repente, você resolveu voltar. O frio soprava, congelando-me as lembranças. Acho que foi o motivo de ter-lhe permitido retornar tão facilmente: precisava de um abraço quente.
Ainda não consegui digerir metade das palavras que você me disse. Não tenho certeza se acredito em todas elas. É que estou um tanto ocupada tentando descobrir se isso que é realmente o que devo fazer, ou se voltei a andar em círculos. Pra ser bem sincera, você não tem passado nos meus testes.
Espero que não pense que vou lhe permitir cometer os mesmos erros. Não tenho mais medo de ir embora. E também não seria a primeira vez que eu teria de ficar. Estranho que o meu perfeccionismo tenha permitido uma segunda chance; devo mesmo estar muito cega. Só peço que, por favor, nem chegue a cogitar a hipótese de uma terceira: minha cegueira não chega a ser assim, tão exagerada.


domingo, 10 de junho de 2012

Um dia sonhei com um mundo bonito. Perfeito. Sem problemas. Sem medos. Sem defeitos.
Acordei com saudade de errar.



sexta-feira, 8 de junho de 2012

Noite de um recomeço



Com tua fala mentirosa de quem finge não se importar, você me seduz. E tua boca impiedosa, dizendo coisas enigmáticas, me atiçando a curiosidade. Novamente, era você: me peguei sentindo vontade da tua proximidade. Saudade do teu gosto. Anseio por teu toque. Desejos dos teus beijos. E você chama a minha atenção sem que eu perceba, fazendo teus mistérios, desfilando esse teu jeito meio nobre meio plebeu. O injusto é que o tempo – por mais que pouco – só te fez ainda mais belo: e mais tentador. Álcool pra desviar a atenção e alguns amigos de boas conversas para ocupar o tempo. Mas era como se já estivesse escrito que aquela noite era nossa, de ninguém mais. Eu sabia que ambos tínhamos algo em mente, esperando o momento certo. Você conhece os meus pontos fracos; usa-os contra mim, de um jeito único que aprendeu a fazer. E eu, gastando de meus encantos e artimanhas femininas, queria mais era ver aonde chegaríamos. E sabe de uma coisa? Chegou exatamente no lugar de onde jamais deveria ter saído.
Quando o dia amanheceu, você e eu voltamos a ser...
Nós.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Coração fechado; janela aberta



Deixou a janela aberta para abrandar o calor, apagou as luzes e depois deitou-se ao lado dela. Respirou fundo e sentiu o cheiro de seus cabelos, vendo lembranças de outros tempos rodopiando por sua mente. Esticou o braço devagar para tocar aqueles belíssimos cachos cor de mel. Mas como um felino, ela se moveu, levando-os para longe. Ele recolheu a mão, sem insistir, e virou-se de costas para ela.
Ficou acordado tempo o suficiente para ouvi-la respirando compassadamente, feito uma criança. Invejou a capacidade que tinha aquela mulher: não sentia o peso da consciência afundando o travesseiro. Esse sentimento tomou-lhe horas. Ele tinha se cansado dessa coisa horrível que ela se tornara – e foi com esse pensamento que adormeceu.
Amou-a por muito tempo, seu coração à ela um dia pertenceu. Mas acordou no dia seguinte com a claridade entrando pela janela, sem amar mais. Levantou-se silencioso, pegou algumas roupas no guarda-roupa, a escova de dente no banheiro, e colocou dentro da mala – tudo espremido ao lado das lembranças de um sentimento que acabou. E por último, meio que como um desfecho dramático, voltou para dar uma última olhada na dona dos cachos cor de mel.
– Já vai? – perguntou ela, com voz sonolenta e sem abrir os olhos.
– Vou.
– Feche a janela, por favor – pediu com frieza – E deixe a chave embaixo do tapete.
Ele assim fez. E quando ouviu a porta da frente se fechar, ela percebeu a falta que ele fazia. Pela primeira vez na vida: chorou de saudade.

domingo, 3 de junho de 2012

Decifra-me


Venho respeitosamente, cabisbaixa e cansada, pedir um favor.  Não digo que és obrigado a cumpri-lo, só peço que ouça-me um pouco. Eis aqui uma sonhadora incurável, incapaz de encontrar motivos de desistência nos amargos imprevistos pelo caminho. Meu coração, poeta rejeitado, ainda possui alguma inspiração – e a mania crônica de transpor o intransponível.
Eu atravessei a porta, depois olhei para trás: e me peguei sentindo falta do lado de fora. Mas tenho medo da saudade, do que pode me levar a fazer. Como um passarinho engaiolado, cá estou eu, presa às minhas escolhas tortas. É que esses dias que ando vivendo têm uma beleza muito injusta, com uma dose de solidão disfarçada no marasmo e no tédio. Lembro-me dos tempos em que eu, por exclusiva covardia, utilizava de meus supostos dons camaleônicos de fazer de conta que está tudo bem.
Crio milhões de casos para matar o tempo, mas ele não morre: continua se arrastando lento e com um ar ininterrupto de sonolência, como que intencionalmente extenuado – só pelo puro prazer de irritar-me. E é nesse mar tão brando e acuado que me pego afogando mágoas que nem mesmo tenho.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Despeço-me de ti, que já se foi


Ao invés de juras de amor, pedidos de desculpas e reposição de conversas atrasadas: silêncio. Ao invés de afagos de saudade, sorrisos de verdade e beijos apaixonados: distância. Olheiras cansadas de esperar por bons tempos que não voltarão, na companhia de alguém que era – e não é mais. 

Foi-se embora, sem preencher-me. Quando dei por mim, já não podia mais enxergar: cega pelas nossas desventuras a dois. Peço perdão por permitir que se retirasse assim, sem o devido alarde, é que não sou de tomar decisões que não são minhas.  Chegou  o tempo das folhas caírem.
E as máscaras foram-se junto a elas.

Diante desse teatro que ando vivendo, declaro para todos os fins que cansei de tanta simulação. Deixemos que a banda toque e desafine o quanto quiser. Não convém que interfiramos no inevitável. Que fique bem claro, de qualquer maneira, que estou me rendendo oficialmente:
acabou. 




Eu vejo você. Tão
distante. E minha
lembrança faz parecer
perto, tão perto. 
Mas prefiro-te longe,
só por segurança:
tenho medo do que sou
capaz.  Perto já era
ausente, acostumei-me
com essa distância: 
ainda que próxima,
entre nós.