quinta-feira, 31 de maio de 2012


Quando menino, queria ser escritor – quem sabe até famoso. Quando adolescente, queria ser rebelde: desafiar o sistema. Quando adulto, queria ser um homem de negócios bem sucedido, para ganhar bastante dinheiro. E agora, depois de velho, tudo o que quer é se tornar um pouco mais...

humano.



quarta-feira, 30 de maio de 2012

Teu Teatro

O palco está pronto, as cortinas vão se abrir. Vá, encene o teatro da sua vida! O público espera ansioso. Será que aplaudirão? Será que és bom ator? Vá depressa! É por você que eles chamam. Consegue ouvi-los? Querem você! Querem julgá-lo, rotulá-lo e depois apontarem seus defeitos. Logo eles! – tão hipócritas, meramente invejosos do seu papel principal.
Vá, ande logo! Ser coadjuvante logo após já ter sido o co-autor da própria peça. Sem você não há espetáculo, por mais que ainda seja assim, tão substituível. Vá e prove que merece mais reconhecimento pela atuação impecável. Arranque algumas lágrimas e talvez seja lembrado. Apanhe qualquer sorrisos e quem sabe notem você.
Vá, corra! Se apresse antes que alguém roube-lhe a figuração. Sabes muito bem o que fazer, aproveite os dois minutos de fama. Não se iluda com o sonho fantasioso de receber alguma fala. Calaram-te antes mesmo que aprendesse a pensar por si só.
Vá, imediatamente! Os ingressos estão se esgotando. Se correr, talvez consiga um bom lugar. Ainda há alguma chance de ver o espetáculo: mas precisa se apressar. Chegue antes das cortinas se fecharem e – quem sabe – tenha um vislumbre de como seria bom estar no elenco da própria história.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Apenas Um



O universo assim conspira:
Enche e esvazia-me com sua mentira
Mas não se atreve a mostrar a face;
Procede nesse enlace,
e continua oculto
como que apenas um vulto, por detrás da mansidão.

Nascemos vencidos,
nossos devaneios exauridos
Como quimeras sem charadas
à atravessar as madrugadas,
tão frias e gélidas desse inverno constante.

Aprendi a me virar,
mas não me encontro em canto algum.
E esse mundo tão vulgar
leva-me a lugar nenhum.

Meus pensamentos, onde estão?
Perdi-os em meu turbilhão
de desnecessários desapegos.

Tenho sonhos a realizar: milhares, centenas
Mas posso resumi-los em apenas

Um

Monstros


Quisera eu, desesperada e aflita, afugentar esses malditos monstros dos meus pensamentos. Tentei em vão mandá-los para longe, de infindáveis e inúteis maneiras. Não se foram. Nem com o pranto, nem com o grito, nem com o silêncio. Evoquei sentimentos que nem sabia possuir, para ajudarem na tarefa. Dissiparam-se antes mesmo que as lágrimas que caem dos meus olhos e me percorrem a alma secassem.
Vejo meus fantasmas com seus risos espalmados e zombeteiros, ostentando ares de quem me venceu. Assombram-me com crueldade. Apontam-me e sussurram entre si todas aquelas verdades dolorosas. Insolentes! Peço uma parte, dão-me migalhas. Depois assistem minhas apostas improfícuas e se divertem à custa do meu desprazer.
Os sonhos, outrora tão nítidos, agora escondidos por trás de um nevoeiro escuro de repetidos fracassos. Nem me lembro mais do aspecto que possuíam. E os meus medos, sempre tão mansos e domesticados, tornaram-se feras hostis e indomáveis. Sinto falta de deter o controle.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

História de um primeiro amor



O pecado não morava ao lado. Não, não se atrevia a chegar tão perto. Morava logo no fim da rua, e se chamava Maria Clara. Era a perdição de todos os garotos do bairro, apesar de ainda serem perfeitamente capazes de trocá-la sem hesitar por uma partidazinha de futebol no campo improvisado da esquina. As outras meninas nunca se igualariam àquela donzela em construção, que vivia com uma tia-avó velha e ranzinza: o dragão, como costumava dizer Pedrinho, o maior admirador de Maria Clara.
Todos os domingos de manhã, Pedrinho ia à igreja com os pais. O menino, que há pouco perdera o seu diminutivo depois de orgulhosamente completar 11 anos de idade, ainda carregava o apelido que com certeza o acompanharia para sempre. E era na missa que ele a via: desfilando um vestido branco rodado e sapatilhas brilhantes. Seus cabelos eram loiros e muito lisos, soltos até o meio das costas, levemente escondidos por detrás de um véu rendado. A boca era rosada e tinha olhos verdes espertos, de uma menina que gosta de ser cobiçada. Bons tempos aqueles, em que garotas de 10 anos de idade não se empenhavam tanto em parecer mais velhas.
Pedrinho, por sua vez, era sardento, exageradamente alto para a idade e muito magricela. Seus olhos eram baixos, como se sempre tristes; os cabelos escuros e lisos formavam redemoinhos atrás da cabeça. As roupas lhe pareciam constantemente largas, por mais que a mãe se empenhasse em ajustá-las na máquina de costura. E, como se não bastasse, era tímido como nunca se viu igual. 
Na missa, Pedrinho nem sequer dava atenção ao que dizia o padre (um velho francês e já meio caduco, que falava português com um sotaque carregado). Estava ocupado demais observando aquela menina tão bela. Maria Clara, por sua vez, não era boba: sabia que havia um garoto sentado ali, do outro lado da igreja, encarando-a firmemente. Mas era ótimo fingir que não tinha percebido, tentar agir naturalmente e dar um jeitinho de espiá-lo também – sem que a tia percebesse, é claro. Era um menino agradável, tinha de admitir. O nome dele não sabia, apenas tinha vaga lembrança de vê-lo brincando no quintal de uma casa no início da rua onde ela também morava.
Depois da missa, Pedrinho ia embora, sem compartilhar com ninguém a sua felicidade por tê-la visto. Maria Clara... sempre tão bela! Sabia que máximo que ganharia se falasse de sua amada para alguém mais velho seria algum tipo de riso debochado, seguido de um comentário maldoso: "Tome vergonha, menino! Garotos da sua idade não podem se apaixonar!" Mal sabiam os adultos o quanto estavam errados...
Era uma quinta-feira cinza e gelada. Faziam quatro longos dias que Pedrinho não via sua "namorada". Voltava apressado da escola para casa, andando apressado e esfregando os braços para afugentar o frio – maldita a hora em que fora se esquecer de levar o casaco. Sempre passava devagarinho na porta da casa de Maria Clara, esticando o pescoço para ver além das cortinas amarelas nas janelas. Mas naquele dia, esquecera-se disso também.
– Olá – o cumprimento pegou o menino de surpresa.
Ofegante, colocou uma das mãos no peito antes de responder.
– Oi.
– Sou Maria Clara – disse a menina, abrindo um largo sorriso.
"Eu sei", quis ele responder, mas não se atreveu.
– E eu, Pedrinho – o rosto enrubescido.
A menina riu timidamente.
– Mas você é tão alto... 
Ele sentiu um formigamento nas bochechas, e respondeu encarando os pés: – Bem... o eu nome verdadeiro é Pedro.
– Ah – ela fez uma pausa, também olhando para baixo, como se pensasse em alguma maneira de alongar a conversa – Minha tia-avó costuma me chamar de Clarinha.
Silêncio.
– Você sabe brincar de peão? – foi o melhor que Pedrinho conseguiu improvisar.
– Não – ela respondeu, as borboletas no estômago do garoto voando mais alvoroçadas do que nunca – E você, sabe?
Ele tirou o brinquedo do bolso.
– Sou o melhor do colégio – gabou-se, com ares de vencedor.
– Eu gostaria de aprender – a menina esboçou um sorriso de leve – Se... você puder ensinar, é claro.
Pedrinho olhou nervoso para a janela da casa.
– Mas e se a sua tia...
– Foi à mercearia – interrompeu Clarinha.
Pedro e Maria Clara, outrora estranhos, agora brincavam juntos: apenas apreciando a presença um do outro enquanto podiam. Teriam vinte minutos até que a tia-avó retornasse e desse-lhes uma bronca por estarem conversando: "Não é direito um menino e uma menina ficarem sozinhos assim", diria. Mas até lá, eram apenas os dois: vivendo seu amor mútuo e verdadeiramente puro.

sábado, 26 de maio de 2012

A casa é sua



Entre, puxe uma cadeira, acomode-se no sofá ou se sente no chão mesmo, caso prefira. O que vale é se sentir puramente à vontade. Está em casa, faça o que quiser; pode até tirar os sapatos. Escolha seus assuntos preferidos e veja o tempo passar. Seja breve com eventuais reclamações, depois divirta-se. Falaremos de coisas boas. Ou podemos simplesmente ficar quietinhos, em um silêncio sereno, ouvindo o som de nossos pensamentos.
Venha, vamos construir momentos inesquecíveis. Como é bom matar a saudade, não é mesmo? Passar as horas jogando conversa fora, brincando de coisas bobas e construindo lembranças. Quando nos cansarmos, pensaremos em algo novo pra fazer: que sabe, nada. O dia é uma criança, a noite outra. Você e eu também, vamos agir como tal.
Olha, tenho tanta coisa pra contar que você pode se cansar de me ouvir. Mas peço que, por favor, mantenha a calma. Prometo que faremos uma pausa para um lanche.Tem café quente no bule e biscoito fresco na tigela  não se acanhe, foi para você mesmo que os fiz. Pode até abrir a geladeira, se quiser. Não há muita coisa lá dentro como há aqui dentro de mim, mas talvez você prefira espiar num interior menos bagunçado que o meu.
Senti sua falta, acho que devo confessar. Mas o que eu poderia fazer? Fui obrigada a te deixar para trás: não pude esperar, a vida me chamou. É que você se foi assim, deixando votos de boa sorte e sucesso, depois se esqueceu de voltar para conferir se tinha funcionado. Minhas escolhas também levaram-me a outros recantos, temos que dividir a culpa. Só espero que não se assuste com minhas metamorfoses pouco sutis.
Ei, mas você já vai? Está tão cedo ainda, fique mais um pouco! Ah, desculpe-me, esqueci que não é de seu feitio esperar por mim. Volte um dia desses, para podermos conversar. E falar de como estamos nos distanciando devagarinho...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Erros meus





Vejo amor onde não tem. Sinto ausências com pessoas por perto. Vejo saudade onde ainda existe alguém. Ouço o silêncio nas palavras – vazias que são. Vejo a mentira de certas verdades. A solidão me acompanha por ruas lotadas de outros sozinhos. E nem sempre sou capaz de explicar o quão forte é tudo o que eu sinto.

Tenho aptidão para desconfiar do que é certo. E mania de não enxergar o óbvio. Costumo não me lembrar do inesquecível. E usualmente me recordo do trivial. Desaprendi a distinguir o certo do duvidoso. Saudade enorme que tenho do que nunca aconteceu realmente. Lembranças boas de momentos que ainda estão para acontecer. Acho que chegou o tempo que me cansei de esperar: começarei a agir. Mas meus pensamentos vagam para longe de mim. Vontade de viver sem mais desistências! Desejos insanos e irrealizáveis de aprender a dizer o que penso sem medo de censuras...

Me pego amando tanto algumas trivialidades que, na verdade, não me dizem respeito. E, com frequência, mal presto atenção ao que de fato deveria me importar. Gasto o meu tempo com as coisas erradas. Sonhei alto demais, a queda me machucou. Que irônico perceber que continuo persistindo nas mesmas bobagens – devo mesmo ser muito masoquista.

Olhares


Meus olhos já viram muito do mundo. Luz, sombra; medo, alegria; ausência, saudade. Não duvide do que sou capaz de sentir. Não subestime as minhas emoções.
Apesar de tudo, ainda há vezes em que me pego cega diante da situação, como se tateando no escuro com medo de esbarrar em alguma coisa potencialmente frágil. Meu coração outrora indeciso, finalmente se resolveu: quer mais de mim, menos do que não é meu.
O passado ainda fala comigo, sussurra coisas: mas tenho a leve impressão de o estar ignorando. Experiência adquirida nem sempre é uma boa conselheira. Acho que simplesmente deixei de me guiar pelo que pode parecer difícil demais de suportar. O cansaço não passa, fico nesse desânimo disfarçado. Faço de conta que não me importo, mas isso me corrói. Olhos fundos, esquecidos em meio a olheiras. Lê-se em meu rosto abatido que as forças estão esvaindo-se lentamente. Eu aqui, no meu canto, nem vazia e nem cheia: estagnada, vendo o mundo desse meu jeito meio torto.
Sozinha agora, arquiteto planos em minha mente. Penso, repenso  para no fim concluir o de sempre: as coisas não vão ser como planejei. Nunca foram. Eu só queria sentir aquele gosto de surpresa boa, que dá frio na barriga só de pensar. Acho que sonho demais, realizo de menos. O estranho é essa minha mania de não desistir de tentar. Quem sabe seja um defeito...


terça-feira, 22 de maio de 2012

Um fim



A campainha toca. Mas levantar-se do sofá parecia um crime. A TV ligada no canal que exibia aquela programação debochada de início de noite de domingo. Cerveja e controle remoto ao alcance da mão. Vestígios de fast-food e salgadinhos baratos sobre a mesa de centro, dividindo o espaço apertado com o cinzeiro  e os pés, que descansavam ali em cima.
Primeiro um palavrão sussurrado. Depois um grito mal humorado:  Quem é?
Nenhuma resposta veio do outro lado, o que só fez aumentar a irritação. Nem o apartamento, nem o humor, estavam adequados para receber visitantes inesperados.
A campainha toca novamente. Palavrão em voz alta, seguido de uma pergunta indignada:  Será que não dá pra esperar um minuto?
Respira fundo e esfrega os olhos, mas o único cheiro que sente é o da própria ressaca. Tira os pés da mesa de centro, fica de pé. Tanto tempo parado na mesma posição que precisou espreguiçar-se, numa tentativa inútil de acordar os músculos doloridos. Caminha até a porta e abre.
 O que poderia ser tão importante que interrompeu o meu...  a pergunta morre na garganta.
Era ela. A causadora da desordem: no apartamento e no coração.
 Você está bem?  pergunta, analisando-o.
 Você se importa?  retruca ele, sob efeito do álcool.
 Pra ser sincera, não mais  empurra-o para o lado, entra no apartamento  Só apareci para pegar o restante das minhas coisas.
Aquelas palavras doeram. Ele engoliu seco, sentindo um amargo que era da cerveja, mas pensou que fosse do arrependimento.
Ela passeou pelo apartamento com seu andar dançante, pegou algumas coisas no meio da bagunça e não fez sequer comentário sobre o mal estado daquele lugar. Ele assistia inerte e boquiaberto ao momento em que seu pior pesadelo estava se realizando.
Antes de ir embora de vez, ela perguntou:  Estou esquecendo alguma coisa?
Ele sentiu vontade de dizer que sim: “Sim, está esquecendo a mim. Leve-me contigo!” Quis implorar por uma segunda, talvez terceira ou centésima chance. Pensou em prometer melhorar, mas sabia que já quebrara esse juramento antes. Desejou que ela percebesse que finalmente tinha aprendido a lição  mas será que isso era verdade? Ponderou sobre o que dizer. Em um milésimo de segundo, decidiu: talvez rápido demais. E a resposta foi:  Não.

Liberdade



Não são as pessoas. São os sentimentos: são eles quem mudam.
Sinto falta de algumas coisas que não farão mais parte de mim. Não que eu esteja triste  e também não me atreveria a mentir dizendo que estou feliz. Acho que a palavra que melhor define o meu estado de espírito atual é "alívio". Um enorme fardo foi tirado dos meus ombros e uma estaca do meu coração. Quando parar o sangramento, estarei mais forte.
Vou dedicar mais tempo a mim. Organizar ideias; mudar conceitos, retomar ideais dos quais abri mão. Acho que chegou a hora de encarar de frente todas as coisas que me induziam a recuar. Sinto o peso da liberdade.
Não é o fim. Apenas mais um recomeço.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

As duas mães de Sofie


Sofie tinha duas mães. Diferente de todos que conhecia   não que fossem muitas pessoas  , nascera duas vezes: uma vez pela pobreza, outra pela esterilidade. A primeira mãe, tão miserável, tão solitária e abandonada, dera-a para nascer novamente: entregando a criança de suas entranhas à outra mulher, uma senhora endinheirada que não podia ter filhos.
Sofie nunca conheceu a mãe biológica. Talvez nem mais estivesse viva. Quem sabe morrera de fome ou frio, sendo enterrada como indigente. Mas Sofie jamais se esqueceria do fato de que o amor de sua primeira mãe chegou ao extremo de permitir que a própria filha fosse criada por outras pessoas – apenas em troca de que aquela criança tivesse alguma chance.
Eram tempos difíceis. As ruas cheiravam mal, as praças cheiravam mal, as vidas tinham um cheiro ruim   e as pessoas, pra usar de sinceridade, também não cheiravam muito bem. Ninguém era poupado do infortúnio. Epidemias eram frequentes: traziam a morte a uma infinidade de pessoas por ano. A fome tornara-se uma companheira constante, levando desesperados a cometerem coisas horríveis para saciá-la. Viviam todos amontoados em cortiços, só os ricos tinham casas espaçosas. Homens e mulheres tiravam seu sustento de negócios quase sempre desonestos, trabalhando em alguma manufatura ou, na maioria dos casos, do cultivo da terra em fazendas nos arredores do povoado.
A menina Sofie tivera uma sorte inigualável por ter sido adotada, sabia disso. A outra mãe, idosa senhora, chamava-se Rebecca. Morava em uma mansão com quase tantos quartos quanto seus muitos anos de vida. Tinha uma extensão tão grande de bens, que só o dinheiro gasto semanalmente com o dízimo daria para banquetear um batalhão. Ninguém sabia explicar ao certo de onde vinha tanta riqueza: Rebecca Toulouse raramente deixava sua mansão e sempre vivera sozinha, até o dia da adoção de uma criança. Falava pouco, usava longos vestidos pretos e muitas joias lhe enfeitavam o pescoço, orelhas e braços. Era muito magra e esguia. Suas mãos e rosto eram enrugadas, seus cabelos outrora castanhos, agora eram cinzentos. Os olhos pareciam sem vida há muito tempo, da cor de um dia tempestuoso. Tinha muitos empregados, mas aparentemente nenhum deles era jardineiro: as plantas à frente de sua mansão eram mal cuidadas e as árvores estavam secas, dando um aspecto sombrio ao casebre. Todos os moradores do vilarejo tinham medo do lugar, e corria o boato de que era assombrado pelos antepassados aborrecidos da família Toulouse.
Quando a notícia de que a velha rica adotara uma criança caiu no conhecimento de todos, o alvoroço foi geral. Ninguém podia acreditar que existia um coração bondoso batendo dentro daquela mulher inalcançável. Não era assim tão fria quanto aparentava, afinal. Como a criança fora parar sob sua custódia, por outro lado, seria um eterno mistério.
Rebecca educara a pequena Sofie com dedicação e paciência: ensinando-a a andar, a falar e, mais tarde, a ler, escrever, tocar piano, bordar, dentre outras coisas que nem todas as pessoas daquela época poderiam se gabar de conseguir fazer. Em sua mansão, ninguém interferia na educação daquela criança. E a mulher temida e desestimada no vilarejo, se viu completamente apegada à menina: amava-a com toda sua essência, com todo o seu calor, com tudo o que tinha de bom a oferecer. Transformou a pequenina em uma dama, e esta cresceu tornando-se uma bela moça, que a mãe adotiva orgulhava-se em exibir.
Sofie Toulouse tinha belos cabelos pretos e cacheados, presos em um penteado impecável ou soltos até o meio das costas. Os olhos eram azuis e intensos, como se estivesse o tempo todo planejando algo. O rosto era macilento e corado. Vestia-se com os melhores vestidos, quase sempre ornamentados por pedras preciosas. E tinha tantos admiradores que os dedos das duas mãos não seriam suficientes para listá-los.
Quatorze dias depois que Sofie completou dezessete anos, a mulher que costumava chamar de mãe foi levada pela morte no meio da noite. A idade avançada de Rebecca Toulouse finalmente chegou ao limite. Pela manhã, quando acordou, Sofie não encontrou a mãe na enorme mesa da sala de jantar esperando-a para o desjejum, como era habitual. Preocupada, subiu novamente a grande escadaria de mármore e bateu à porta do quarto da velha senhora. Chamou uma vez. Duas. Três. Como nenhuma resposta veio lá de dentro, atreveu-se a entrar, esperando que a rígida senhora não se zangasse.
A visão que teve foi a seguinte: Rebecca dormia tranquilamente, mesmo tendo o sol nascido há mais de quatro horas. Cuidadosamente, Sofie abriu as grandes janelas do quarto e deixou a luminosidade entrar. Depois aproximou-se da cama e encostou de leve no braço da mãe. Assustou-se ao perceber como estava fria. Tentou acordá-la, mas a mulher continuava inerte, parecendo mais velha que nunca. E então a verdade se abateu sobre Sofie: sua mãe estava morta. E aquela moça, filha de duas mulheres, que ironia: tornara-se órfã duas vezes.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Inquietudes

Tenho uma tendência muito forte a amores platônicos. Por pessoas, lugares, sensações, amizades... Com uma frequência razoável, esse eu apreciador costuma levar-me a inebriantes aventuras. Entretanto, meu platonismo, depois de experimentado empiricamente, perde toda a sua magia: me canso dele. Mudo de desejo, reinicio o ciclo   é quase poético.
Tenho uma coleção enorme de gostos estranhos; manias inquietantes e escolhas alternativas. Mas, em boa parte do tempo, prefiro esconder-me dentro do meu próprio mundo particular – um lugar onde ninguém além de mim jamais foi e jamais irá. Onde posso ser eu, sem explicar qualquer atitude inesperada que decida tomar. Acho que sinto falta do tempo que as minhas preocupações eram despreocupadas.
Ultimamente me vejo mudada. Meus conceitos sobre o mundo, as pessoas, os desejos e tudo o mais que me diz respeito, estão confusos e distorcidos. Constantemente faço um backup em mim mesma: jogo fora o que passou, para abrir espaço para o novo. Não é tão simples quanto parece. Com regularidade acabo me livrando das coisas erradas. E, no fim das contas, percebo isso quando já é tarde demais. Me resta ser forte: descobri que tenho muita coragem e que ainda me resta vontade de continuar.

Às vezes me canso de estar tão cansada. Mas nunca antes dei espaço para desistência, agora não seria diferente. Só preciso mesmo de um tempo para voltar a acreditar: exitem momentos na vida em que certas coisas perdem o posto de prioridade e passam à lista de "Recorrer em Último Caso".



quarta-feira, 16 de maio de 2012

Favor






Tua alma é fria. Teu doce é amargo. Tua verdade está oculta atrás dessa máscara. Você não se envergonha? Não se enoja da própria hipocrisia? Entendo que há muita coisa acontecendo, mas estou cansada de meias verdades. Teu jeito narcisista e teu sorriso cínico me aborrecem. Não enfureça-me, estou avisando. Não é seguro que eu fique irritada.

Tenho uma aversão muito grande a pessoas que tendem a ser repetitivas, fúteis, tendenciosas, influenciáveis e pessimistas o tempo todo. Até os dias mais cinzentos merecem uma chance. Então faça-me o grande favor de poupar minha paciência.Obrigada.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Ausências


Pior que a sensação qualquer outra ausência, é sentir-se ausente consigo mesmo. Não sei se todas as coisas que me vêm afligindo nos últimos dias são verdadeiras, ou se eu apenas as imaginei. Seja qual for a realidade, confesso que estou, no mínimo, decepcionada. Essa sensação estranha vem chegando de repente: me prende sem grades, sem algemas, sem grilhões – e ainda assim, cá estou eu, imobilizada diante dela. Preciso de uma dose de calmaria e outra de soluções. Sinceramente, cansei de improvisar.
Venho mudando algumas coisas de lugar. Minhas preferências, por exemplo. Tenho a leve impressão de estar dando prioridade ao incerto; e, ao mesmo tempo, também estou com um medo imenso de voltar atrás para conferir. Nem tanto tempo se passou, mas parece que certas coisas ficaram batidas. Entenda como quiser. A verdade é que venho sentindo falta de momentos que nem sei mais se foram assim, tão reais. Sabe-se lá se não existiram apenas na minha vontade de que acontecessem. Isso tudo é um atentado contra a minha sanidade – há tanto tempo que tudo está brincando comigo que perdi a capacidade de reconhecer o que é sério.
Acho que esse bando de notícias instáveis aparecendo assim, aos pouquinhos – como que com medo da minha reação se despejadas de uma vez só e sem aviso prévio –, estão me deixando cansada de esperar.

Quando


Quando você se sente sozinho, abandonado, substituível. Quando você se sente pequeno, incapaz, sem vontade. Quando você percebe que há coisas que não deveriam estar acontecendo. Quando você se cansa. Quando você está a um passo de distância do seu limite. Quando você começa a paranóia. Quando você vê tudo fora do lugar. Quando suas noites de sono começam a ficar turbulentas. Quando seus sonhos começam a ficar distorcidos. Quando você deixa de acreditar em certas palavras. Quando você chora sozinho. Quando você faz de conta que está tudo bem. Quando você já não sabe mais o que esperar. Quando você insiste em confiar no inconfiável, mas desconfia de que não está tudo tão bem quanto aparenta. Quando você percebe que anda mudando de opinião mais rapidamente que deveria. Quando você se encontra distante de si mesmo. Quando você não consegue explicar seus motivos. Quando você não sabe em quem pôr a sua saudade.  Quando você não tem mais certeza de suas antigas convicções. Quando você se pega pensando em coisas ridículas. Quando você está confuso com seus sentimentos.
Quando você percebe que não é mais o mesmo: aí começa o desespero.

domingo, 13 de maio de 2012

Decreto da Felicidade


Que se torne lei a proibição de amar pela metade. Que o mundo entenda essa verdade: está decretado o fim da maldade e de tudo o que não fizer o bem. Fica condenado à pena de morte todo aquele que não aprender a pedir perdão, e também os que se esqueceram de como perdoar. Prisão perpétua para os que não tem paciência para escutar, para os que desistiram de tentar, e para os que se negam a amar. 
A partir de hoje, o ser humano tem direito real à liberdade. E que ninguém, em nenhuma circunstância, seja privado de sonhar. Sejam soltos de seus cárceres particulares, todos os corações entristecidos. E que a felicidade se espalhe sobre a Terra.
Injeções de coragem gratuitas aos desanimados. Abrigo e carinho aos desamparados. E muitos, muitos, muitos desejos realizados. Que os corações se encham de fraternidade, fica decretado o fim da inimizade! Que as diferenças tornem-se apenas motivo de admiração. Que a beleza seja vista na miscigenação. Serão julgados apenas os que não cumprirem essa ordem: ergam-se e saiam por aí, transformando o mundo para melhor. 
Fica decretado o fim da intolerância. Está proibido o uso da arrogância. Que os humanos se tratem como iguais, que vivam em paz e que entendam-se mais. 
Esse decreto vale a partir de agora. Que seu cumprimento seja instituído mundo à fora.
Fica decretada a felicidade.


sábado, 12 de maio de 2012

Ouça-me

Quando eu falar, não ignore. Quando eu tocar-te, sita-me. É o meu silêncio que eu quero que escute. Quanto ao meu barulho, imploro que entenda. É insuficiente para mim que simplesmente chegue, construa uma impressão qualquer e depois vá embora sem conhecer-me.
O que eu disser, nem sempre é o que espero que você creia. Minhas palavras, miseráveis e desequilibradas, costumam ter duas faces. Desfaça-as. Depois reajuste ordenadamente tudo o que eu houver dito, para enfim entender a verdade egrégia: a complexidade que existe em mim jamais será explicada.
Aniquile essa distância, transponha barreiras e venha encontrar-me. Continuo nessa inércia inquebrável, esperando por teu alento. Decifra-me.  Desembarace os meus sentimentos e os explique para mim, por favor. Eu quero que todo esse emaranhado aqui dentro seja decodificado. Cale-se e observe-me: aqui estou para ser encontrada. Descubra o meu ritmo e valse ao meu lado antes que se acabe a noite e esvazie-se o salão.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Segundas Chances


Dias inteiros, meias verdades. Era uma solidão tão grande, que não ela se sentia sozinha - a companhia se chamava saudade. No silêncio da noite, chorava. No escuro do quarto, soluçava. Trazia na memória imagens distorcidas. De sorrisos passados, de felicidades de outrora, de alguém que tinha mania de ofuscar a realidade. Barulho de lágrimas caindo sobre o travesseiro e sussurros sutis de um nome que ela sentia vontade de gritar para o mundo e esperar que o universo trouxesse o convocado pra bem perto. E pedi-lo que se sentasse bem perto, deixando o mundo lá fora, sem se importar com a hora de ir embora. 
"Talvez eu devesse me dar uma chance", pensava, às tantas horas da madrugada. Se redimir de alguma maneira: era o que queria. Quem sabe deixar um bilhete embaixo da porta, com qualquer caligrafia torta, como pedido de perdão. Tocar a campainha e correr - quem nunca fez isso antes? O motivo era nobre. Mas é que às vezes simplesmente não se encontra motivos para pedir perdão - por serem  demasiadamente insignificantes ou exagerados ao extremo. Pobre mulher, nem sequer tinha certeza de suas incertezas. Faltava-lhe fé. Arrancaram-lhe a esperança.
Um vento frio entrava pela janela, trazendo o presságio de que o fim, de fato, chegara. E ela sentia falta daquele abraço quente que não ganhara. Derramava suas tristezas, precisando de carinho. Mas só o que encontrava era seu sentimento mais mesquinho: vontade de ter de volta aquele que tinha perdido - de preferência, imediatamente.


Eu, assim

Eu vi
Eu vendo;
eu vivendo.
Entrelinhas entre as linhas -
sobrevivência sob vivências:
Prenúncios do fim,
anúncios de mim
Que sou assim: nervos de aço
e sentimentos de cetim.
Palavras minhas soltas - 
Tudo o que a fala
incontida, não se cala;
e fica para a eternidade
à mercê de minha vontade
E vaidade.
Ah, saudade...

Bonito


O tempo passou tão veloz que mal pude percebê-lo. Nem vi você chegar, aconteceu que simplesmente me dei conta de que você estava aqui o tempo todo. As coisas foram acontecendo, se estabelecendo, tornando-se parte de nós. Quando dei por mim, éramos você e eu: nos amando. Admito que ultimamente ando com uma enorme abstinência de você. É difícil viver sem a tua presença. Essa distância que nos separa faz aumentar vontades absurdas em mim. E me pego escrevendo pra aliviar um pouco toda essa falta que você me faz. Não consigo me acostumar com a sua quase constante ausência. Eu só espero sinceramente que algum dia desses, numa noite dessas – num cantinho desses, só nosso –,  possamos estar juntos. E assim permanecer até que morra a minha saudade. Eu me pergunto: quão bonito pode chegar a ser um sentimento? Um sentimento assim, como o nosso? Mais bonito que o pôr-do-sol na praia. Mais bonito que o arco-íris depois da tempestade. Mais bonito que o céu estrelado na fazenda. Mais bonito que a lua cheia quando nasce. Mais bonito que o sorriso sincero de uma criança.
Mais bonito que as palavras podem explicar... 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Conte-me



Alguma vez na vida você já se sentiu indo para o caminho errado? Como se, ao tentar acertar, acabasse se esquecendo do que realmente tem algum valor? Como se aos poucos estivesse se tornando um mero espectador da própria vida, inerte diante da iminência do fracasso? Você já observou sua história fugir do controle sem poder reagir?
Algum dia você já teve a impressão de estar tão escondido de si mesmo ao extremo de não conseguir sequer explicar o motivo de uma lágrima? Você já passou pela experiência de olhar-se no espelho encarar aquela expressão vazia e cansada de não ver mudanças? Como se estivesse errando há um longo tempo e só percebesse isso depois de tudo desmoronado? Como se a única alternativa fosse esperar que as coisas dessem certo, mesmo estando consciente de que são mínimas as chances de isso acontecer?
Alguma vez você já sentiu tanto medo a ponto de congelar? Medo de não ser capaz, medo de não conseguir, medo de não estar preparado? Como se a cada segundo os rumos de sua vida lhe escapassem pelas mãos e você fosse constantemente induzido a acreditar que o fundo do poço está logo abaixo, ansiosamente aguardado um novo inquilino? Como se os sonhos parecessem distantes, os objetivos distorcidos e os desejos irrealizáveis?
Algum dia você já chegou a acreditar que a única solução para os problemas fosse varrer o passado e começar agora a recriar o futuro? Como se você de repente descobrisse que tem feito tanta coisa errada que só um recomeço seria capaz de amenizar as suas tristezas?
Conte-me: quantas vezes na vida você já sentiu o peso da culpa sobre seus ombros?


sexta-feira, 4 de maio de 2012

Constâncias


Nunca houve nada  certo.
Constantes mudanças são assim!
Não encontro respostas em mim
para explicar meias verdades;
 
Fantasias que criei
dos sussurros, dos boatos.
Sei, agora, tanta coisa
Mal posso encarar os fatos:
surgiu de repente...
há tempos estabeleceu-se; e preciso confessar
que percebo o que a gente sente.
Sonhando juntos, vamos crescendo;
vivendo, refazendo, aprendendo.

É você quem me toca com palavras
e me traduz ao causar arrepios;
São nossos corpos vazios
que nos mantém tão próximos.
Para podermos nos encher e nos fazer viver
o amor que há em nós.

Meu eu inteiro clama por ti
Tudo o que preciso, querido, é você.
Aqui.



Levante-se, menina, erga a cabeça



Levante-se, menina, erga a cabeça. Francamente, não me interessa o que você tem a dizer. Pode tentar o que quiser, não me convencerá. Não está certo ficarmos aqui esperando que o vento faça um sonho bom entrar pela janela. Cansei de lamentações inúteis – acostume-se e aceite a verdade: acabou.
Levante-se, menina, erga a cabeça. O dia de amanhã não vai trazer novidades, não tem essa obrigação. O mundo está lá fora sentindo a sua falta, mas ele não espera: segue em frente sozinho, sem a tua companhia. Saiba que a vida não vai parar porque você parou.
Levante-se, menina, erga a cabeça. Vamos, coloque um sorriso nesse rosto cansado. Seu silêncio está me dizendo muita coisa que não gosto de ouvir. E suas lágrimas magoadas há tempos já vinham sendo ignoradas. Encare o fato de que as promessas foram quebradas.
Levante-se, menina, erga a cabeça. Recostitua os seus sonhos despedaçados uma vez mais. Não é fácil arrancar da memória toda aquela felicidade. Mas ainda há motivos para continuar, a batalha final está por vir.
Levante-se, menina, erga a cabeça. E faça o favor de parar de perder tempo com tudo o que perdeu você.

Vontades

Ando com uma sede insaciável por aventura. Vontade de sair por aí e, sei lá, viver um pouco. Sentir o vento nos cabelos, brincar na chuva e fazer coro com os passarinhos. Quero me lançar por estradas desconhecidas e desbravar novos caminhos. Quero mudar algumas histórias e inventar outros destinos. Quero sorrir, quero chorar, quero ser feliz – isso me basta.
Estou mesmo precisando de novidades. Acho que está na hora de deixar a rotina de lado, sair um pouco dessa monotonia toda, quebrar os velhos hábitos e estabelecer horizontes diferentes. Quero cheiros, quero abraços, quero experiências, quero gostos, quero sons, quero excentricidades, quero barulho, quero silêncio, quero gente, quero o mundo. Vontade enorme que estou de fazer tudo diferente!
A verdade é que as escolhas certas nem sempre são as aparentemente sensatas. Os planos têm falhas, os projetos dão errado – nada como viver sem roteiro, escrevendo cada linha conforme o improviso dá certo. Vou confessar que o imprevisível me atrai. Muito.
Estou com vontade de inovar. Tanta coisa bonita que ainda não senti, tantas pessoas que não conheci, tantos lugares que não visitei... Ah, eu quero mesmo é sair por aí e sentir o sol, conhecer o mundo e passear no brilho das estrelas. De repente me deu um desejo insaciável de fazer alguma coisa inconsequente. Uma maluquice às vezes vai bem! Saudade do tempo em que querer e poder eram a mesma coisa...
Chega um momento em que a gente simplesmente quer poder se gabar um pouco do fato de ter conseguido. Mas, conseguido o quê? Não sei. Talvez... ser feliz.


terça-feira, 1 de maio de 2012

Quereres


Denuncie o que há de mim em você. Vamos, seja corajoso. Mostre suas marcas! Eu duvido que você tenha essa audácia. Macule minha reputação, eu não me importo. Diga ao mundo o que você diz para mim. Solte essas palavras contidas em você, esses desejos, esses anseios, essas vontades. Não, você não é capaz. Será que conseguiria? Descontrole-se! Uma vez só, por favor, perca a razão. Eu quero mais é que você grite, que me ligue no meio da noite dizendo impropérios, que perca o juízo, que me beije calorosamente, que me abrace com toda a sua força, que me revele os seus sonhos mais absurdos. E, acredite, eu vou realizá-los.
Amado, pare de fazer de conta. Posso ver em sua expressão que já se rendeu. E eu, que nem sabia ter tantos encantos, acabei por usá-los a meu favor. Desista, eu venci. Olhe nos meus olhos, pare de bancar o bom rapaz e aceite esse fato. Eu sei o que se passa na tua cabeça, meu amor, te tenho em minhas mãos. Você acredita mesmo que poderia não ter sido derrotado? Ah, quase inocente. Também tenho minhas armas, como você pode perceber. Eu já aprendi a interpretar-te, entendo exatamente o que você pretende fazer. Seu jeito calculista pode enganar a todos, não a mim. Sua trama planejada não me afeta. Seu sorriso presunçoso depõe contra você. Só te peço que tenha força, porque é em você que busco meu alento. Você me faz sentir coisas novas que não sei explicar; e talvez por isso tem de mim o que quer, sempre. E eu, aqui sozinha, só quero você.
Quantas reviravoltas! Quem poderia supor tal delírio? Essa felicidade não cabe em mim; transborda em você. Estamos apaixonados: cegos, surdos, mudos de amor. O acaso atormenta, o descaso nos faz rir - acho que há muita coisa ao contrário... e essa é a beleza de tudo isso. Pra ser bem sincera, amado, ainda quero ouvir as palavras que você insiste em não proferir. Porque minhas suposições serão comprovadas e eu poderei dizer que estava certa o tempo todo.