quinta-feira, 12 de abril de 2012

Carta 1

Paris, 16 de Novembro de 1954 

Querido,

             Tudo está mudando. Há metamorfoses acontecendo simultaneamente com nós dois. Não é possível evitar que muita coisa se torne diferente – mais cedo ou mais tarde vai acontecer. Os motivos já nem sei; a hora já perdi; e o medo acabou-se ou talvez jamais tenha existido. Desapegue, querido. E apegue-se somente a mim.
Não ignoro o que os traços do seu rosto me contam sobre você. Mas eu também percorro outras linhas. E discorro sobre assuntos que não sei ao certo se é certo dizer. Confesso que às vezes exagero, porque perto demais deixou de ser perto o suficiente. Tento mentir o tanto teu que há em mim, mas você me preenche, querido.
São poucas a pessoas que despertam em mim o medo de perde-las. Gente muito normal não chama a minha atenção, porque com o tempo eu descubro que elas tendem a ser cansativas e idênticas. Talvez por isso há algum tempo tenho feito restrições na minha rotina. Desviando-me de tudo e todos que possam parecer irreais demais, pesados demais, difíceis demais de carregar ou suportar. E eu acabei percebendo que há uma parte na minha essência que se excede, que sobra, que passa do limite. E é essa parte que falta em você. Nós nos completamos.
Querido, você tem o sorriso de uma doçura agradável, sóbria, serena. Não há para onde correr, teu abraço é como um ímã. Eu já tinha me acostumado com os eufemismos maldosos do amor, mas você veio para remoldar os meus conceitos. Querido, só tenho uma coisa mais a dizer: não me abandone. Nunca.


De tua, sempre tua querida

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