sábado, 24 de novembro de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XVIII


 O que faremos?  perguntei à Louis, tentando conter o desespero.
Ele agarrou meus ombros com força, detonando a bomba de sua fúria.
 O que faremos?! Você ouviu essa mulher? Ela é completamente maluca! É uma psicopata perigosa!
Eu me esquivei dele, depois o empurrei para longe. Ele cambaleou um pouco, ao mesmo tempo em que atingiu o auge de sua raiva. Louis veio em minha direção com os braços estendidos e uma expressão de ira, enquanto tentava agarrar meu pescoço.
 Você não me ouviu, seu bastardo imundo e porco?!  ele gritava, sem se importar em chamar a atenção de toda a vizinhança para a gritaria. Mal sabíamos nós, que enquanto discutíamos, um homem tinha sido assassinado  Se é morrer que você quer, eu mesmo o mato!
 Cale essa boca, Louis!  gritei também, enquanto fugia de suas mãos fortes que me enforcariam na primeira oportunidade  Eu vou entrar lá e não é você quem vai me impedir!
 E o que você quer fazer lá dentro, imbecil? Será que você é surdo? Será que não ouviu bem o que ela disse?
 Ouvi, sim! E vou ajudar o Sr. Nicholls! Vou protegê-lo daquela...
 E quem você pensa que é para conseguir protegê-lo de alguma coisa?! Você mal pode proteger a si mesmo!
Parei de súbito e encarei Louis com uma expressão intransigente. Ele parou também, pego de surpresa.
 Eu sou... o garoto que o Sr. Nicholls tirou da rua. Devo minha vida a ele! E você, Louis, não vai ficar no meu caminho quando posso retribuir tudo o que aquele homem fez por mim. Você fica aqui. Eu vou resolver isso agora.
Virei as costas para meu amigo e caminhei até a casa. Passei direto pela porta da frente, contornando a enorme mansão cor de marfim, e fui para os fundos  onde encontraria a Srta. Fontaine. Lá atrás havia uma pequena sala, como um armazém de ferramentas, construída atrás da casa e em frente à enorme piscina retangular tinha a porta fechada; mas a luz que vinha das frestas estreitas das duas pequenas janelas denunciava que alguém estava lá dentro. Aproximei-me devagar, tomando o cuidado de esquadrinhar o ambiente em busca de observadores antes de prosseguir rumo à porta. Bati duas vezes, depois me escondi no canto esquerdo da pequena sala para descobrir quem sairia lá de dentro sem ser visto. Caso não fosse a Srta. Fontaine, eu daria um jeito de fugir dali sem ser descoberto, e tentaria encontrá-la em outro lugar. Mas, para minha sorte e alívio, era ela.
Saí de meu esconderijo e ela encarou-me com surpresa.
 Qu'est-ce que l'enfer “Mas que diabos!”  O que faz aqui, garoto? Não deveria estar vigiando a rua?
 Louis está cuidando disso. No momento, temos um problema maior.
Srta. Fontaine fechou a porta atrás de si.
 O que quer dizer com isso?
Expliquei o que aconteceu rapidamente, para não perder tempo. Ela levou a mão à boca, assustada.
 Je ne peux pas croire! Que faisons-nous maintenant?  “Não acredito! O que vamos fazer agora?”, ela desatou a falar francês durante algum tempo, como se conversasse sozinha. Depois voltou a encarar-me  Sabe o que acontecerá agora, não sabe, garoto?  fiz que não com a cabeça, pois esperava que ela me fornecesse uma solução plausível para organizar essa bagunça toda  Está tudo perdido.
 O que... o que quer dizer?
 Que é melhor irmos embora daqui o quanto antes! O plano falhou! Está tudo acabado! Não há nada que possamos fazer. Vamos sumir antes que sejamos pegos, garoto.
 Não!  gritei, ofegando  Não vou abandonar o Sr. Nicholls!
 Não seja idiota! Não vê que já não pode fazer nada por ele? Vamos embora para que possamos, ao menos nós, ficarmos longe disso tudo!
 Sua vadia repulsiva, covarde e traidora! Pretende deixar o Sr. Nicholls à mercê da própria sorte?
 Olha como fala comigo, seu fedelhozinho...
 Eu falo como quiser!  interrompi, aproximando-me de Srta. Fontaine e fazendo-a encolher-se.
Ela se recuperou rapidamente do susto, recompôs-se e disse:
 Muito bem. Se quer ficar, fique. Eu vou embora.
Sta. Fontaine deu três passos para longe e eu agarrei-lhe o braço esquerdo. Ela praguejou em francês e virou-se irritada. Aproveitei a oportunidade para segurar-lhe a outra mão. Prendi-a com os braços cruzados à frente do corpo, apertando suas mãos nas costas. Ela tentou desvencilhar-se, mas eu era mais forte.
 Eu quero sua arma  ordenei.
 O quê?!  ela perguntou em tom de indignação  Quem você pensa que é?
 Eu sei que você tem uma arma. Entregue-a agora, ou eu a arrasto comigo lá para dentro  ameacei, fazendo sinal em direção à mansão.
Ela ponderou por alguns instantes.
 Está escondida na minha cintura  respondeu, derrotada.
Segurei-a com apenas uma das mãos e vasculhei-lhe o corpo. Quando toquei a arma, inesperadamente, Srta. Fontaine conseguiu soltar as próprias mãos. Ela me pegou de surpresa, mas eu fui mais rápido. Puxei a arma com força e apontei na direção dela. Ela ficou estática por alguns instantes, congelada de medo. Coloquei o dedo no gatilho.
 Acalme-se garoto, podemos ser amigos  Srta. Fontaine levantou as mãos, reconhecendo meu poder diante da situação.
 Não, não podemos.
 Não fique zangado comigo, querido  dizia, de maneira sedosa  Eu só estava tentando escapar. Não é seguro aqui, por isso quis levá-lo comigo. Eu me preocupo com você, está vendo?  ela aproximou-se um pouco. Fiz menção de atirar e ela tornou a falar  Acalme-se! Estou do seu lado! Christopher, não é? Nome bonito... Não fique tão tenso, eu posso ajudar.
 Como?
 Vamos... abaixe essa arma. Eu posso ajudar, não fique tão nervoso  fiz o que ela pediu, meio sem saber por quê. Ela sorriu docemente, mas eu ainda não confiava em suas palavras.
 O que quer de mim?  perguntei, meio que como um teste.
 A pergunta é: o que você quer de mim. Christopher, posso te dar muitas coisas  ela fez uma pausa e olhou-me nos olhos  Tudo o que um jovem como você deseja. É só você me entregar a arma. Eu o levarei daqui, juro. E cuidarei de você. Não há mais nada que você possa fazer por ele. É tarde demais, ela vai matá-lo. Você quer morrer também, Christopher?
Um acesso de fúria tomou conta de mim ao mesmo tempo em que a Srta. Fontaine percebeu que tinha feito a escolha errada das palavras. Voltei a levantar a arma e sibilei entre dentes:
 Vá embora antes que eu me arrependa de não ter puxado o gatilho.
Ela deu três passos para trás, visivelmente apavorada, depois tirou os sapatos e correu para a escuridão.
Mesmo sem um plano ou qualquer motivo racional para entrar na casa, tentei abrir a porta dos fundos. Trancada. Me virei de costas para ela, pensando em entrar pela porta da frente. Mas meu corpo congelou quando um frio atingiu-me o estômago: o som abafado de três tiros, vindos de dentro da casa. Sem pensar duas vezes, soquei a janela mais próxima, cujo vidro estilhaçou-se barulhentamente. Com a ajuda do revólver para não me cortar novamente  arranjara alguns arranhões nas mãos ao quebrar o vidro , fiz uma abertura precária, de forma que eu pudesse passar.
Do lado de dentro, me vi em uma enorme cozinha. Não era muito fácil enxergar na penumbra causada pela luz que vinha do corredor. Foi para lá que caminhei, tomando o cuidado de não fazer barulho e tentar conter minha respiração entrecortada. O silêncio era mortal. Quieto demais. Com minha obsessão por não ser visto, derrubei um enorme vaso de porcelana que descansava sobre uma mesinha. Com uma destreza que eu não sabia possuir, agarrei-o antes que se estilhaçasse no chão e enchesse toda a mansão com o barulho, denunciando minha presença.
Continuei caminhando até me encontrar em uma sala em completa desordem, onde o corrimão de uma escada e a parede logo atrás dela exibiam marcas de tiro. Contornei a grande mesa de mogno para checar mais de perto, e estagnei por alguns instantes quando o corpo inerte de um homem entrou no meu campo de visão. Afastei as náuseas e fiz o possível para não vomitar ali mesmo ao observar as circunstâncias. Foi quando um novo tiro ecoou na mansão, vindo diretamente do segundo andar. Empunhei a arma e encarei a escadaria com determinação.
Céus! Já não tem mais volta: ou saio daqui feito herói... ou morto.” 

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