sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo VII


 Collins!  eu disse, empurrando-o para longe  Você me assustou!
 Eu vou matar você, Craig! Matar, está me ouvindo?  ele gritava, com um dedo apontado para o meu rosto.
Louis Collins era o que se pode chamar de meu melhor amigo. Na falta de algo melhor, devo dizer. Ele me pagava sorvetes de vez em quando, deve ser por isso que eu não me afastava dele  apesar de fazer-me de saco de pancadas sempre que sentia vontade de descontar a raiva em alguém. Collins também vivia no abrigo para menores  o prédio abandonado que invadimos há alguns meses.
Ele tinha dezesseis anos e se achava muito mais experiente e sábio que eu. Só que na verdade sempre fui o mais astuto, apesar dos dois anos a menos. Collins era uma espécie de irmão mais velho: brigávamos o tempo todo, mas éramos bons companheiros.  E eu já me acostumara com seu jeito explosivo.
 Porque está gritando comigo?  perguntei, enquanto me esquivava de um soco dele.
 Onde diabos você se enfiou?
 E o que você tem com isso? Esteve com saudades?  provoquei.
Ele se enfureceu ainda mais. Dizia palavrões e andava de um lado para o outro. Seus olhos faiscavam quando ele conseguiu me acertar um belo golpe no queixo.
 Seu desgraçado! Eu pareço estar com saudades? – gritava ele, enquanto eu sorria limpando o sangue da boca com a manga da roupa.
 E por que outro motivo estaria tão enfurecido?  falei, com a voz sedosa.
 Não sei – ironizou, errando um novo soco  Talvez porque você me roubou durante a noite!
 Ah, isso!  eu fingi ter acabado de me lembrar  Um homem estava precisando mais daqueles curativos que você.
 Um homem? Um homem?  ele estava quase babando  Você gastou meus curativos com um desconhecido? Eu vou mesmo matar você, moleque!
Eu ria enquanto desviava de seus golpes. Depois de tanto tempo, já tinha ficado bom em fazer isso. Collins era previsível. Além do fato de que ficava cego quando estava muito enfurecido. Eu tinha sorte por ele gostar de fazer as coisas com as próprias mãos, ao invés do líder do abrigo, Anthony Roberts, que vivia cercado por seis outros grandalhões.
 Me escute, Collins!  gritei.
Ele parou ofegante, apoiou as mãos nos joelhos para descansar.
 Ok  disse por fim, depois de recuperar o ar  É bom que você tenha uma boa explicação, Craig, ou eu vou matá-lo!
 Ótimo  respondi  Eu tenho um emprego.
A primeira reação de Louis foi encarar-me surpreso, depois rir descontroladamente. Quando percebeu que eu continuava sério, o sorriso desapareceu de um jeito engraçado.
 Espere  disse, aproximando-se de mim  Você está mesmo falando sério?
Contei-lhe tudo, desde o momento em que saí do abrigo armado com um revolver para assaltar qualquer um que me parecesse suficientemente indefeso e sozinho; até o momento em que acordei num quarto de hotel. Tudo isso, tomando o cuidado, é claro, de esconder os planos do Sr. Nicholls.
 Então...  disse Collins quando terminei. Ele parecia demorar um pouco para processar tanta informação  Você atira em um homem e ele lhe oferece um emprego?
 Eu sei que não faz muito sentido, mas precisa acreditar em mim  – justifiquei-me.
Encarei-o com um pouco de medo, mas ele não parecia zangado. Encolhi-me quando ele chegou a uma distância em que poderia bater em mim caso quisesse.
 Você sempre foi o mais esperto  admitiu, colocando uma das mãos em meu ombro e sorrindo com orgulho.
As palavras me pegaram de surpresa.
 Louis...  comecei a dizer.
 Não  interrompeu-me  Você tem sorte, Christopher. E não merece passar o resto dos seus dias mendigando por aí.
 Louis, se você quiser, eu posso falar com o Sr. Nicholls  propus, sem poder evitar as lágrimas  Pergunto se não há espaço para mais um! Eu juro, falo sim!
 Eu pertenço às ruas, Christopher. Aqui é a minha casa  disse ele, fazendo um amplo gesto com os braços  Você não é daqui, moleque. Vá seguir seu caminho!
Nós nos abraçamos longamente.
 Obrigado  sussurrei.
Corri chorando pelas ruas de Londres, rumo ao endereço escrito no papel. Ninguém notava, nem nunca havia notado. Nós, meninos de rua, nascíamos invisíveis aos olhos dos londrinos, e assim permanecíamos. Esse dom chegava a ser irritante. As únicas vezes em que nos viam, era quando roubávamos alguma coisa. Como se de repete, todos os olhos se decaíssem sobre nós ao mesmo tempo. E então, depois de tudo devidamente esquecido, voltávamos a invisibilidade.
Depois de pouco mais de uma hora peregrinando pela cidade, cheguei à casa. Era exatamente igual à descrição que o Sr. Nicholls me fizera. Um grande casarão antigo, com dois pinheiros à frente.

Um grupo de três crianças muito bem alinhadas atravessava a rua.
 Ei, vocês  gritei, de um jeito estabanado.
Os garotos pararam e se entreolharam com olhos arregalados e expressões amedrontadas.
 Quero saber quem mora nessa casa  eu disse, apontando. Os meninos assustados guardaram silêncio.
Um deles se atreveu a dizer, com a voz trêmula:
 Não sabemos, senhor! Era de Phillip Mason, mas ele se mudou depois da morte do pai!
Agarrei o garoto pela gola da blusa e o trouxe mais para perto.
 E onde ele mora agora?  fiz um certo esforço para parecer suficientemente mal.
 Desculpe, senhor! É tudo o que sei!
 Tem certeza do que está dizendo?  insistiu Collins, fazendo o menino chorar.
Um outro passou à frente, num ato de coragem, e disse:
 Ouvi dizer que se mudou para a rua Belo Monte, senhor!
 Larguei o garoto que  para meu orgulho  choramingava, e aproximei-me do que acabara de falar.
 Mesmo? E o que mais você sabe?
 Meu... meu pai conhece o Sr. Mason... – respondeu o garoto, encolhendo-se  Disse... que ele mora em uma casa duas vezes maior que essa!
Não precisou de muito esforço para que cada um dos informantes milagrosamente se lembrasse de detalhes adicionais para ajudar-me. Collins sempre foi muito bom ameaças, acho que acabei aprendendo isso com ele. Caminhando à rua indicada, eu pensava no quanto o Sr. Nicholls ficaria surpreso e satisfeito com o meu progresso. Sorri ao imaginar.
Quando cheguei à esquina da Belo Monte, reparei em uma mulher que vinha do outro lado da rua. Ela atravessou e parou diante de mim, com uma expressão sombria. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela me calou com um sinal de mão.
 Eu sei o que veio fazer aqui, garoto  disse-me, com uma voz assustadora  E não vou permitir.

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Link do Capítulo VI (anterior)
Link do Capítulo VIII (próximo)

2 comentários:

  1. Até que enfim né, tava entrando todos os dias no "Infinita Calmaria" pra ver se o capítulo VII tinha saído. E vê se não demora pra postar o próximo, estamos ansiosos. Beijos!

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    1. Desculpe a demora, amigo... estive meio sem criatividade essa semana (tanto que o capítulo não saiu tão bom quanto seus antecessores). Perdoe a demora, não vou deixar vocês curiosos por tanto tempo novamente! Beijos!

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