– Onde? Onde está aquele cretino? – gritou o Sr. Nicholls, enquanto me
sacudia.
– Aca... Acalme-se, senhor – eu tentava dizer.
Mas ele parecia não me ouvir. Empurrou-me com força e obrigou-me a
sentar na cama. Foi quando eu notei uma terceira pessoa no quarto: uma mulher.
Era linda e delicada, apesar de vestir-se apenas com um roupão. Eu a encarei
boquiaberto, depois olhei assustado para o Sr. Nicholls, que de repente também
pareceu se lembrar de que não estávamos sozinhos.
Ele virou-se para a mulher e sibilou entre dentes:
– Saia.
– Vicent, eu tenho tanto interesse no que ele tem a dizer quanto vo...
– Saia do meu quarto agora, sua vagabunda! – gritou, apontando
para a porta.
Ele tinha uma expressão de fúria intensa; o canto da boca levantado de
um jeito que dava um ar hostil às suas feições, como se fosse começar a rosnar
a qualquer momento. Os olhos estreitados em uma linha fina, e a testa enrugada
em uma carranca ameaçadora. A mulher se encolheu com o grito, e arregalou os
olhos de pavor. Ficou alguns segundos estática, paralisada de medo. Depois
obedeceu a ordem que recebera, correndo para o corredor.
O Sr. Nicholls trancou a porta quando ela saiu, depois se pôs a
caminhar de um lado para o outro do quarto. Eu já tinha parado de ofegar quando
ele parou diretamente à minha frente, olhando-me de cima.
– Agora me diga o que sabe – a voz era estranhamente calma – E não
esconda nenhum detalhe.
– Sim, senhor.
Contei exatamente tudo o que vi. Falei de Louis, dos meninos que me
forneceram informações e da velha mendiga que disse “saber o que eu fora fazer
naquela rua”, depois me acusou de espioná-la – oh, céus, como foi difícil me
livrar daquela louca escandalosa! Contei detalhes da casa, dos dois seguranças
que revezavam a guarda da propriedade e dos boatos de que o Sr. Mason quase
nunca deixava a mansão. Contei que passei a noite na pequena praça diante do
casarão, para obter mais informações. E que
descobri que a cozinheira, a empregada e o mordomo iam embora por volta do
começo da noite, e só voltavam nas primeiras horas da manhã seguinte. A casa
ficava vazia durante esse tempo, exceto pelo patrão e os dois guardas.
Já começava a entardecer quando eu terminei de narrar os acontecimentos.
E meu estômago fez um barulho escandaloso quando me lembrei que não comia nada
há mais de um dia. Apesar de estar acostumado, eu estava faminto. O Sr. Nicholls também pareceu perceber a mesma coisa. Levantou-se
da cama onde estava sentado e revirou a mala, onde pegou um pouco de dinheiro, sem se importar com a minha presença.
– Venha, garoto – disse-me, colocando o chapéu – Você merece alguma
recompensa.
Ele saiu para o corredor e fez sinal para que eu o acompanhasse. Obedeci,
ainda que intrigado. Descemos as escadas em silêncio. O recepcionista, que
parecia nunca melhorar a cara feia, nos observou por cima de seu jornal
amassado quando passamos por ele. O ar parecia mais leve e fácil de respirar
quando saímos do hotel. E o entardecer lançava uma luz laranja sobre as ruas,
deixando tudo com um aspecto corado e bonito; muito diferente do ambiente
lúgubre que era o Bela Vista.
Algumas crianças passeavam pelas calçadas, voltando da escola depois
de mais um dia de aula. E carros transitavam pelo calçamento de pedra,
dirigidos por homens que seguiam para casa após o fim de seus expedientes de
trabalho.
– Sabe me dizer se há algum alfaiate aqui por perto, Christopher?
– Sim, senhor. Fica na Rua do Viajante.
– Leve-me até lá.
Quando chegamos, já se aproximava a hora dos estabelecimentos
fecharem. Mas o Sr. Nicholls portava-se de maneira decidida quando entrou na
loja, chamada “Alfaiataria dos Irmãos Mitchell”. Fiz o possível para que ele me
deixasse de fora, mas não era fácil convencer um homem muito maior e mais forte
que eu: arrastou-me porta adentro pelo braço.
Um velho magro e barbudo, que usava um monóculo com uma corrente de ouro
veio correndo até nós. Vestido impecavelmente em um terno azul escuro – que, de alguma forma, parecia fazer seus cabelos abundantes parecerem ainda
mais brancos –, tinha olhos muito claros e falsamente gentis, ainda que adornados por
muitas rugas.
– Seja muito bem vindo, senhor – disse, fazendo uma meia reverência e
sorrindo – Em que posso servi-lo?
– Quero comprar roupas novas para o garoto – respondeu o Sr. Nicholls,
fazendo um aceno de cabeça indicando-me.
A interrogação do alfaiate foi quase a mesma da minha: “Para mim?”; “Para
ele?” – perguntamos ao mesmo tempo. O sorriso do velhote se abalou por um
instante quando viu sua loja de prestígio sendo invadida por um menino de
rua esfarrapado.
– Sim. Isso é um problema? – provocou o Sr. Nicholls, depois
acrescentou: – Eu vou pagar.
Era só o que o senhor precisava ouvir. Quase imediatamente, começou a
procurar roupas que poderiam me servir, e depois me empurrou para dentro do
provador. Eu não fazia ideia do quanto fora gasto naquela loja, mas quando a
deixei, estava praticamente irreconhecível.
A noite já era adiantada quando saímos de lá. Os postes de iluminação
das ruas estavam acesos e o movimento de carros tinha diminuído. O Sr. Nicholls me levou para um restaurante e
permitiu, inclusive, que eu escolhesse o que comer. Com certa dificuldade, li
as opções do cardápio e pedi um prato de frango grelhado, acompanhado de
algumas outras coisas. Foi só quando passamos à sobremesa que eu me lembrei
de agradecer.
– O senhor é um grande homem – eu disse, com a boca cheia de sorvete
de baunilha – Obrigado por tudo o que tem feito por mim.
O Sr. Nicholls encarou-me com seriedade.
– É apenas o meu pagamento pelo seu bom trabalho, garoto.
– Talvez eu nem mereça tudo isso, senhor – respondi com humildade.
– Mas merecerá em breve – ele fez uma grande pausa, olhando-me fixamente – Christopher... eu preciso
que você faça uma coisa para mim.
_______________________________________________________
Link do Capítulo X (anterior)
Link do Capítulo XII (próximo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário