quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo I

“Hotel Bela Vista”.
Que ironia. Era um dos prédios mais malcuidados que eu já vira na vida: três andares de uma pintura verde musgo desbotada e um letreiro de néon vermelho brilhando acima deles – com as letras O e V apagadas. A iluminação da rua lançava uma luz estranha sobre o hotel, dando-lhe uma aparência ainda mais antiga.
O portão baixo e enferrujado da cerca de metal produziu um ruído irritante e estridente quando eu o abri. O jardim tinha sido engolido por uma variedade imensurável de ervas daninhas. Em alguns pontos podia-se ver amontoados de begônias amarelas espremendo-se umas contra as outras numa tentativa vã de sobreviver sem nenhuma atenção especial.
Quando entrei no hotel, um sino acima da porta anunciou minha chegada. O ambiente era mal iluminado e cheirava a mofo. O piso de madeira do assoalho fazia barulho conforme eu caminhava. A recepção se assemelhava com um imenso corredor um pouco largo. E a decoração era de extremo mau gosto: as paredes tinham a cor da fachada e ostentavam quadros de feias paisagens e fotos dos últimos donos, com suas expressões desonestas. Havia um sofá de dois lugares cor de vinho sob um tapete marrom, em frente a uma lareira antiga. Pela poeira que ali se acumulava, cheguei a pensar que não eram usados há anos: nem o sofá, nem a lareira, nem o hotel. Mais à frente, via-se um balcão espremido contra a parede lateral e uma passagem que dava num corredor sombrio.
O homem por detrás do balcão era um senhor de meia idade, magricela e quase totalmente careca. Tinha uma expressão de nojo, como se ele próprio fosse a pessoa no mundo que mais sentia repugnância pelo lugar. Analisou-me por cima de seu jornal quando eu me aproximei e parei diante dele.
– Você é da polícia? – a voz era grave e rouca, sem entusiasmo.
– Não – respondi, colocando minha única mala no chão.
Ele encarou-me por alguns segundos antes de decidir se eu falava a verdade.
– O pagamento é adiantado – concluiu.
Acertamos para três noites e ele me entregou as chaves. Depois pegou um castiçal e indicou a entrada do corredor.
– Tivemos um problema com a iluminação. Espero que não se importe – ele não falava como se estivesse preocupado com o meu bem estar. Na verdade, muito pelo contrário.
Caminhamos alguns metros e depois subimos por uma escada de madeira cujos degraus rangiam a cada passo. Então o homem parou em frente a uma porta onde estava entalhado o número 9. Abri e entrei, sibilando um “Obrigado” pouco gentil ao recepcionista.
– Caso precise dos meus serviços, use o telefone – disse-me em resposta.
Fechei a porta.
O quarto respirava um ar poeirento e tristonho, como se há muito não visse a luz do sol. Me perguntei qual deveria ter sido a última vez em que alguém se hospedou ali. “Ao menos”, pensei, “é maior que o esperado” – o que não diminuía minha aversão pelo lugar.
O papel de parede dourado e florido desbotara-se em algumas partes, adquirindo um tom amarelo fosco. O carpete era acinzentado e as fronhas da cama também. Haviam teias de aranha na mesa de cabeceira e o abajur, que ali repousava sobre uma toalha de renda, estava com a lâmpada queimada. Do lado oposto do quarto, encostada à parede, havia uma escrivaninha e uma cadeira. A porta do banheiro ficava ao lado da cama e, diretamente à minha frente, um sofá azul escuro e a saída para a sacada.
A noite estava clara. Do segundo andar, a rua quase chegava a ser bonita.
Voltei para dentro do quarto e sentei-me diante da escrivaninha onde ficava o telefone. A gaveta estava emperrada. Com algum esforço e um pouco de paciência, consegui abrir. Dentro dela, encontrei papéis e envelopes; mas não tinha nada com o que eu pudesse escrever. Procurei dentro da mala que eu deixara sobre a cama e encontrei uma caneta.


Londres, 22 de Março de 1950.

Amada Dorota,

                        Cheguei à Londres hoje pela tarde. Há dois dias não nos vemos e já estou sentindo a sua falta. Mas nós dois sabemos a que vim, e era necessário algum sacrifício. Prometo-lhe voltar assim que possível. Minha viagem será breve.
O hotel é terrível. Não pude pagar por nada muito luxuoso, sabe que não somos ricos. Mas não se preocupe, minha amada. Em breve, tudo isso vai mudar. E seremos novamente muito felizes.
Não devo me demorar, nem dar muitos detalhes. Sei que você entende que pode ser perigoso. Saiba que eu a amo, Dora. E que o que farei é por você.
 Do seu, e sempre seu
Vicent

Coloquei a carta e a caneta no bolso do paletó, peguei minhas chaves e saí do quarto. Desci pelas escadas devagar e no escuro. Passei na recepção sem dizer palavra. O recepcionista, de volta a seu posto, nem se importou em levantar os olhos do jornal dessa vez.
Eu também não fiz questão. Tinha alguém para encontrar.
E matar.

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12 comentários:

  1. Você disse que eu tenho o estilo literário da J.K. Rowling, mas estou vendo que você também tem esse lado. Adorei esse capítulo, estou ansioso para ler os próximos. Esse clima sombrio e misterioso super me lembrou a casa dos Black, no Largo Grimmauld. Pode ser uma comparação boba, mas me passou essa impressão. Parece ser o tipo de história que eu vou me apaixonar, ainda mais com os crimes que poderão acontecer.
    À propósito, comecei a fazer os projetos do meu blog, você me convenceu.
    Beijos, Filipe.

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    1. Nossa... agora que você falou, também me lembrei da casa dos Black! Cá entre nós, foi a J.K. quem me inspirou a ser escritora. Desde a infância gosto de escrever, e devo isso à série Harry Potter, que me encantou com sua magia.
      Faz um tempo que estou com a ideia dessa história na cabeça; mas só agora eu a amadureci o bastante para escrever aqui. Fico feliz por saber que se interessou! E mais feliz ainda por saber que consegui convencê-lo a criar um blog, haha! Tudo que eu queria;
      Abraço, querido!

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  2. Belíssimo texto, ótima descrição do lugar, entrelaçando mistério e um lado sombrio, diria se aproximando de uma leitura gótica. Me lembrou Stephen King...
    Pelo que vi no texto, estamos atentando para personagens esféricos, personagens complexos, que nos surpreendem. Não há mais o que dizer, somente lhe parabenizar...
    Abraço.

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    1. Pedro,
      Obrigada pelo comentário e obrigada por ler o Infinita Calmaria! Fico muito feliz que tenha gostado, é uma imensa honra ser comparada com um escritor tão brilhante como o Stephen King... Outro dia li uma coisa muito engraçada que ele disse, algo como "As pessoas ficam desapontadas comigo. E elas dizem: Você não é um monstro!"
      Feliz demais por saber que a história lhe prendeu a atenção...
      Abraço a você também!

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  3. Prima! Adorei o texto. Parabéns!!!!
    Continuarei acompanhando ansioso pra saber quem será a vítima do Sr. Vicent!!

    Aliás, adorei a maneira como terminou esse primeiro capítulo:
    Eu também não fiz questão. Tinha alguém para encontrar.
    E MATAR. \m/

    Beijos!

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    1. Lucas, primo querido!
      Que ótimo te ver por aqui... Nossa, muito bom saber que gostou da história! Confesso que não imaginei que fosse fazer tanto sucesso, tive mais de 30 visualizações em menos de 20 minutos, acredita?!
      O próximo capítulo sai em breve! Não morra de curiosidade até lá (risos).
      Saudades de você :)

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  4. Larissa, adorei o primeiro capítulo. Ansiosa pelos próximos. Adoro esse tipo de estória, com boas descrições do espaço e seu tom de mistério. Parabéns. Beijos
    Camila

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    1. Camila,
      Obrigada pela visita e pelo comentário!
      Fico feliz que tenha gostado :) Logo posto o próximo capítulo, é que ainda não tive tempo de escrevê-lo...
      Abraço forte,
      Larissa.

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  5. Impressionante! Seu estilo é surpreendente, você tem total domínio do tempo e do espaço, prende a atenção e, ao final da leitura, desperta a curiosidade de forma inquietante! Obrigada!

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    1. Agradeço muito pelo comentário e pela simpatia. Fico super feliz em saber que agradei!
      Obrigada por visitar o Infinita Calmaria, volte sempre :)

      Larissa S.

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  6. Larissa, mais uma vez fiquei impressionada!
    Parabéns pelo texto, me deixou curiosa! Estou curiosa por muitos motivos! E também para saber mais sobre Dorota, que me deixou intrigada. Espero poder descobrir logo quem ela é e qual é sua ligação com Vicent e o crime que ele pretende cometer.
    Beijos!

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    1. Quanto a isso, pode ficar despreocupada! Já no próximo capítulo (que comecei a escrever hoje à tarde) tudo ficará bem explicado sobre suas duvidas a respeito de Dorota... Que bom que gostou :)
      Beijos!

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