sábado, 20 de outubro de 2012

Carrasco



Você seria capaz de matar alguém? Assim, enfiando a faca e pronto? Assim, lavando as mãos sujas de vermelho e pronto? Assim, escondendo as provas e pronto?
Era nisso o que pensava Jeremias, enquanto encarava o corpo inerte encostado à mesa. Ele fora capaz de matar, sim. E matou-a por amá-la demais! Quando viu, estava morta. Quão efêmera é a vida? Quão fácil é terminá-la? Mas quem mais teria esse direito se não ele? “Era a mim que ela pertencia”, pensava Jeremias. E só ele mesmo tinha o direito de tirar o que é seu.
Há poucos minutos estavam discutindo e ela confessou tê-lo traído; não uma, mas várias vezes. Não com uma só pessoa, mas com várias delas. O sangue lhe subiu à cabeça, a visão ficou turva, os movimentos impensados. Ele a estrangulou com as próprias mãos, enquanto ela falava daquele jeito meio fanho, pedindo perdão e implorando pela própria vida com lágrimas nos olhos amedrontados. Não era a primeira vez que Jeremias espancava a esposa, e ela já se tornara muito boa em se livrar das garras dele. Mas dessa vez foi diferente, ele tinha necessidade de acabar com ela.
Mesmo assim, Cecília conseguiu se esgueirar das mãos carrascas de Jeremias. Ela correu para a cozinha e agarrou uma faca, ameaçando o marido. Disse que se desse mais um passo, ela o mataria. Mas será que seria capaz? Será que dizia a verdade? Não importa mais. O fato é que Jeremias foi. E com um movimento só, arrancou-lhe a faca da mão  arranhando o próprio braço na ponta afiada  e, com a faca suja do próprio sangue, matou a mulher que amava: esfaqueando-a.
E agora? O que faria agora? Estava ela morta, jogada sobre o chão da cozinha. Ficaria assim, e pronto? É dessa maneira que as coisas terminam? Jeremias se levantou e tirou Cecília da poça de sangue, arrastando-a para fora do chalé que alugaram para a viagem. O corpo sendo arrastado para fora deixava um caminho de sangue no piso branco e lustroso. Jeremias cavou por quase uma hora, depois colocou-a dentro; com cuidado, mas sem capricho. Deu-lhe um último beijo e enterrou. Ali mesmo, no quintal. E depois foi embora, sem sentir mais nada.
Não é uma história de amor; nem uma história de morte. É só que a efemeridade da vida é tão simples e tão complexa, que faz pensar. A vida chega e desaparece assim, e pronto. E a rotina, essa assassina de sonhos, nos proíbe sob pena de morte de procurar a felicidade. Não se permita ser morto pelos obstáculos.

“Que você não perca a vida tentando ganhá-la.”
(Autor desconhecido)

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