sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Ainda que sem querer


No banco de trás do táxi a caminho da estação de trem, o que os separava era mais que a quase inexistente distância física. Olhando pela janela, Ernesto tentava imaginar o que diabos Lúcia pensava naquele momento. Enquanto ela, encarando o lado de fora  pela janela oposta –,  não pensava em nada: apenas aproveitava masoquistamente os seus últimos minutos daquela angústia. O motorista, do banco da frente, espiava-os pelo retrovisor de vez em quando, procurando maneiras de iniciar uma conversa  ainda que nas últimas duas tentativas, as respostas que obtivera foram meros “hum” em diferentes entonações.
Os gritos daquela discussão da noite passada ainda ecoavam na cabeça de Ernesto. E ele se sentia tão impossibilitado de agir, que até o ar dentro do táxi parecia mais pesado. Como se, de alguma forma, aproximar-se dela fosse algo impossível  ou que, no mínimo, exigisse um extremo esforço.
E Lúcia, cujos pensamentos giravam em redemoinhos confusos, ainda não tinha certeza de quem dentro daquele carro merecia mais raiva: Ernesto, o motorista tagarela, ou ela mesma.
Na estação de trem, a despedida foi breve. Ele quis beijá-la calorosamente, mas faltou coragem. E ela quis abraçá-lo e pedir desculpas, mas o orgulho falou mais alto. Ernesto covarde, Lúcia orgulhosa: que ironia essa troca de papéis! Mas é que às vezes, ainda que sem querer, somos parecidos com aquelas coisas que desprezamos nas outras pessoas.




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