quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XV



Com a arma na mão, ainda que trêmula, eu finalmente me sentia completo. Era como se aquela pistola fosse parte do meu braço estendido; uma continuação de mim, o complemento que faltava para que eu me tornasse tudo o que busquei durante a vida inteira.
O medo era tão evidente nas feições de Phillip que cheguei a pensar em poupá-lo. Mas quando eu me lembrei de meu pai, percebi que não: ele não merecia qualquer tipo de compaixão. A única coisa que merecia, afinal, era a morte. E esse era exatamente o motivo de eu estar ali.
Aproximei-me sorrindo de uma maneira meio maníaca, sem poder conter a alegria. E ele se encostou na parede, com os olhos arregalados e a boca aberta. Era como se estivesse imerso em um tipo de transe esmagador, vendo seus pesadelos tornarem-se uma realidade que parecia impossível há cinco minutos.
 O que faz aqui?  perguntou depois de quase um minuto; como se seu cérebro tivesse voltado a funcionar com uma faísca qualquer que lampejou dentro dele.
 Seu desgraçado  sibilei entre dentes, sentindo um fervor percorrer-me todo o corpo com a nova descarga de adrenalina que me envolveu  Você o matou!
 Não! Não fui eu!  ele gritava, estendendo as mãos para o alto  Eu juro!
Lágrimas saltaram de seus olhos, percorrendo o rosto até o queixo. Desespero.
Balancei a cabeça negativamente.
 Você sempre foi um mentiroso covarde, Phillip  insultei.
 Por favor, Vicent! Não faça isso!  gaguejava, em meio a soluços exagerados  Somos irmãos! Nós dois crescemos juntos!
Minha fúria aumentou.
– E por que eu teria compaixão? Por toda a vida você me chamou de bastardo. E quando soubemos da verdade  engoli em seco, contendo o ódio  você o matou.
– Vicent, não me mate! Dou-lhe o que quiser! Dou-lhe quanto quiser!
– Acha mesmo que a minha vingança tem um preço, Phillip?  eu puxei a trava da arma, preparando-a para seu dever, e ele soltou uma exclamação de pavor  Não é o seu dinheiro que eu quero. Mas o seu sangue. Para vingar meu pai como ele merece! Eu quero ver a luz deixar os seus olhos, exatamente como você fez com ele! Vamos, conte-me: como você o matou?
 Eu não o matei, eu...
 Mesmo?  interrompi  Então porque teve que se esconder?
 Eu tive medo, Vicent! Tive medo de você!
 E porque teria medo se não fosse culpado?
Phillip se calou de súbito, como se seu maior segredo tivesse sido descoberto. Seu melhor argumento falhara. Ajoelhado no chão, ele juntava as mãos implorando pela própria vida.
Fui acometido por uma imensa onda de nostalgias. Lembranças de nossa infância; quando ele costumava pôr-me a culpa pelas travessuras  como na vez em que fumou um dos charutos importados do nosso pai. E da adolescência, época em que ele costumava a contar às garotas do colégio que eu era um bastardo. Da juventude; quando ele foi para a guerra e voltou com sua pompa exagerada, dizendo a todos que recebeu medalhas por honra e bravura  mas ninguém jamais chegou a vê-las por muito tempo, até que ele cedeu à pressão e mostrou-as para nós: e eu fui o único a perceber que eram mais falsas que suas histórias sobre como as ganhou. E, finalmente, memórias da última vez em que nos encontramos. E a maneira que ele agiu quando soube que eu era tão filho de Marcus Mason quanto ele.
Respirei fundo.
 Quais são as suas últimas palavras, irmão perguntei.
Percebendo que a morte era inevitável, Phillip abraçou-a como um verdadeiro homem de coragem, de uma maneira que nunca fizera antes. Pela primeira vez na vida  e última , Phillip se atreveu a ser ele mesmo. Encarou-me com uma expressão carregada de tanto ódio que quase cheguei a pensar que quem estava prestes a morrer fosse eu.
 Eu espero que você morra também, seu bastardo nojento  ele falava de uma maneira arrastada, como quem lança uma maldição – Mas que tenha uma morte pior que a minha. Você e aquela vadia a quem chama de espo...
Puxei o gatilho.
Os olhos de Phillip ficaram distantes por alguns instantes. As feições mudaram para um vazio estranho; como uma mistura de dor, surpresa e medo. Ele levou a mão direita ao peito, mas não houve tempo para que checasse o grau dos próprios ferimentos. Caiu para um lado ainda com os olhos abertos, mas já sem enxergar.
Meu coração martelava no peito de um jeito que me fazia temer estar tendo um ataque cardíaco. Uma poça de sangue começou a se formar pelo piso branco e extremamente lustroso diante de mim, onde o corpo inerte do meu meio irmão jazia em uma posição bizarra. Larguei a arma no chão, ainda em choque, e aproximei-me de Phillip. Arfando com dificuldade, eu senti o peso de uma morte sobre meus ombros. Ajoelhei-me ao lado dele, com uma estranha sensação de perda no lugar onde deveria estar minha vitória; meu sentimento de triunfo. Era como se minha cede de vingança não tivesse sido saciada.
Quase sendo tocada pelo sangue que cobria boa parte do chão ao redor do corpo, havia uma carta. Agarrei-a rapidamente, antes que fosse manchada de vermelho. Phillip jamais chegou a lê-la, pois ainda estava lacrada. Abri o envelope, ainda com as mãos trêmulas. E então uma pontada dentro do peito me fez cambalear e sentar-me no chão ao lado de Phillip, quando imediatamente reconheci a letra do remetente. Ou, melhor dizendo, da remetente.

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