sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XIV


A ideia do Sr. Nicholls era simples: não poderia ser mais fácil de entender. E eu iria fazer exatamente o que ele me ordenara.
Saí correndo do restaurante, sem me importar com os olhares que arranquei das pessoas que ali se reuniam. O vento gelado da noite açoitava o meu rosto como uma centena de facas afiadas. Tropecei algumas vezes pela calçada e inclusive sujei a roupa nova. Mas não parei de correr. Nem mesmo quando esbarrei em um homem que derrubou um livro no chão e lançou-me uma ameaça qualquer, que não tive tempo de ouvir. Parei ofegante na esquina da Theodor Millor com a Principal. Entrei no casarão aos tropeços, sem perceber que tinha rasgado parte da manga do terno.
 Louis? – gritei  Louis, cadê você?  corri escada acima e tornei a gritar  Louis!
Nenhuma resposta.
Voltei à sala de estar, onde três garotos estavam sentados no sofá. Encaravam-me com olhos curiosos, depois cochicharam entre si. Então um deles se levantou de súbito dizendo:
 Sim, é ele  gritou, apontando-me  É só o Craig! Porque está vestido assim, Craig? Quase nos enganou!
Era um meninozinho com cerca de nove anos. O rosto estava sujo e as roupas rasgadas. O cabelo escuro crescia-lhe até os ombros, semi-escondidos por uma boina xadrez. Eu não me lembrava seu nome, mas sabia de sua fama: era trapaceiro e gostava de tirar vantagens das pessoas.
 Onde está Louis Collins? Você por acaso o viu?  perguntei-lhe.
Ele sorriu seu sorriso amarelado, vendo uma oportunidade.
 Talvez  deu de ombros  Depende do que eu ganho em troca.
 Ora, vamos lá! É importante!
 Importante?  os olhos brilhavam  Isso torna o serviço mais caro.
 Você fala como um matador de aluguel, garoto  eu disse com desdém.
 E você continua sendo um menino de rua idiota, ainda que mude de roupa  retrucou.
Fiz que iria acertar-lhe um tapa, levantando uma das mãos com rapidez e parando-a no meio do caminho. Ele arregalou os olhos e recuou de volta a seus companheiros, onde, sentindo-se seguro, voltou a lançar-me insultos.
 O que diabos está acontecendo aqui?
Virei-me para a porta do corredor, de onde vinha a indagação.
 Óh, nunca estive tão feliz por vê-lo  eu disse, encarando meu melhor amigo.
 Aconteceu alguma coisa? Por que está vestido desse jeito? – ele se aproximou devagar, com os braços cruzados e os passos quase ensaiados, analisando-me criteriosamente.
 Preciso se sua ajuda, Louis.
 Isso eu já supunha. A pergunta é: o que quer que eu faça e quando?
As crianças amontoadas no sofá  inclusive o garotinho com quem eu tinha falado  observavam a conversa atentamente, quase dependurando-se umas sobre as outras para poder ouvir melhor. Notei-as com minha visão periférica, ávidas por entender o que estava se passando. Discretamente, fiz sinal para que Collins me acompanhasse até a rua.
 Vejo que esse emprego tem lhe feito bem, Christopher  disse-me, quando deixamos a casa.
 Louis, o Sr. Nicholls tem um plano.
 É claro que tem, seria um tolo se não tivesse!
Fiquei em silêncio por alguns instantes.
 Preciso de sua ajuda para executá-lo.
 E o que espera que eu faça?
Quando contei-lhe o plano, Collins ficou pensativo, mas, é claro, aceitou participar. Na noite seguinte, no horário combinado, estávamos os dois escondidos atrás do tronco de uma grande árvore na esquina da rua enquanto uma mulher muito bela e bem vestida caminhava casualmente pela calçada. Desacompanhada.  
Fiz sinal para Collins e nós dois corremos ao encontro dela. A algazarra foi geral. Louis gritava que era um assalto, a mulher pedia socorro com um sotaque francês muito carregado e eu a ameaçava com uma faca. Não demorou muito para que dois homens uniformizados saíssem de dentro da mansão cor de marfim, correndo para salvar a moça em perigo. Ao avistá-los, Louis e eu voltamos a correr rua acima, parando para descansar somente depois de sair do campo de visão dos seguranças.
Observamos de longe quando eles levaram a pobre coitada  que estava aos prantos  para dentro da casa. Ela era de fato uma atriz incontestavelmente incrível. Cerca de vinte ou trinta minutos depois, ela voltou para a rua. Só que sozinha e muito bem recomposta, sem lágrimas, sem gritos aflitos. Do outro extremo da rua, o Sr. Nicholls veio caminhando apressado e nós corremos para alcançá-lo.
 Tudo certo lá dentro, Caterine?  perguntou ele.
Ela o encarou com uma expressão sedutora  inclusive para mim, que mal passava de um garoto.
 Eu nunca falho, monsieur.
Como o combinado, Louis e eu ficamos de vigia na rua. Sentamo-nos no meio fio enquanto o Sr. Nicholls e a mulher voltaram para dentro da casa. Eu não queria que o plano B precisasse ser executado, porque esse consistia em distair alguma pessoa que pudesse pôr tudo em risco, enquanto Louis entrava na mansão para avisar aos demais da necessidade de fugir pelos fundos. Fechei os olhos e desejei que tudo corresse bem, exatamente como o planejado.
O silêncio inquebrável que pairava sobre os casarões daquela rua parecia um presságio, como que uma preparação para a marcha fúnebre que ocorreria logo depois que encontrassem o corpo. Eu estava tenso, pois não fazia ideia de como agir caso alguém aparecesse. Mas precisava manter o sangue frio, mesmo tendo consciência de que um homicídio estava prestes a acontecer. Um homicídio no qual eu estava envolvido até o último fio de cabelo.
Era por volta de nove e meia da noite. Uma mulher vinha solitária pela rua, carregando uma mala florida. Aquela sim, tinha todos os atributos de uma verdadeira dama em perigo. Louis e eu nos entreolhamos, engolindo em seco. No fundo, esperávamos que a rua permanecesse deserta enquanto estávamos vigiando. Mesmo sendo alguém que aparentemente não oferecia sequer a menor ameaça, nós nos assustamos. Ela se aproximou imponentemente, sem se importar com a possibilidade de que talvez pudéssemos ser perigosos. Olhou-nos de cima embaixo; colocou a mala no chão.
Antes que esboçássemos qualquer reação, ela perguntou:
 Essa é a casa de Phillip Mason?
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Link do Capítulo XV (próximo) - EM BREVE!

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