Algum-lugar-por aí, 01 de dezembro de 2012
Meu caro,
Tua voz me chamou. E todos os sentimentos que trancafiei emergiram
de dentro de mim, mesmo depois de manifestar abertamente que jamais voltaria a
libertá-los. Minha eiva maior é que, com uma constância irritante, volto a
criar ilusões de realidades que foram: não são mais. E hoje, por esse motivo e
alguns outros, escrevo a ti pela quinta ou sexta “última vez”; com a única intenção
de reafirmar minhas ilusões da verdade, outrora tão necessitadas de camuflagens
e disfarces para as centenas de enganos que cometi a nosso respeito.
Dos meus desapegos, você foi
aquele do qual nunca fui capaz de me desfazer. Cheguei um dia a acreditar que o
seu sorriso torto e puramente irônico ao segurar a minha mão jamais passaria de
uma lembrança nostálgica e desbotada, como todos os momentos que
gastei em sua companhia ambígua, tão agradável e tão enervante. Consumida pela
saudade, me obriguei a permitir que seguíssemos por caminhos distintos; abrigando-me
nos braços da esperança de que um dia teríamos mais uma chance para concertar
os erros que cometemos. E quem sabe até enfrentar as desventuras que nos torturavam
num dia sim, outro também.
Sempre muito práticos, economizando romantismo, escrevemos
nossa história dentro das possibilidades do nosso excesso de excentricismo. Tivemos
tantos pontos finais que acabaram virando reticências. E nossas centenas de
casos, marcado por seguidas recusas e caprichos, são tão somente o espelho de
um sentimento que simplesmente não morreu. Juntos, no passado, entre doses baratas e almas vazias, acabamos
entrelaçando nossos olhares e íntimos de um jeito desordenado e confuso. E quando
o acaso nos permitiu um reencontro depois de todos esses anos, com a mesma
euforia de antes, envolvemo-nos nos braços um do outro por uma eternidade que
durou quase um minuto. O mesmo arrepio; os mesmos pés sem chão. Você e eu,
porém, nos tornamos ainda mais inexatos e diferentes, depois do descumprimento
de todas as promessas que fizemos um ao outro.
Eu juro! Juro que ao ver você eu quis alardear minha
fúria contra sua imutável expressão de tédio, sua voz mansa com sotaque sulista, sua despreocupação,
sua aparência tão minuciosamente planejada para arrancar desejos meus, e todas
as suas centenas de manias. Não consegui. Justamente por saber que, mesmo depois das mudanças, você e eu sempre voltamos a ser os mesmos um para o outro.
É sempre com uma ira contida que nos amamos. E, ainda assim, encontramos tempo
para nos odiar. Talvez os anos passem outra vez, mas jamais deixemos de
pertencer um ao outro.
Tua voz me chamou. Mas só tive certeza de que era você
quando meus olhos incrédulos encontraram os seus: imutavelmente sonolentos, mas
cheios de um brilho terno que eu apenas, ninguém mais, poderia discernir. Só nós dois podemos
cuidar de nossas próprias fantasias, porque não existe maior imprudência que a
covardia de não aproveitar uma última oportunidade. Quando tudo terminar novamente, por
favor, feche a porta ao sair de vez da minha vida.
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