Cidade do Rio de Janeiro – Brasil,
17 de Maio de 1966.
Andando apressadamente pelas ruas enegrecidas da madrugada nos
subúrbios do Rio de Janeiro, a moça espiava com frequência por cima do ombro,
pois a estranha sensação de estar sendo observada a afligia.
Com o salto alto marcado a velocidade acelerada e constante de seus
passos, o pensamento que lhe ocorria incessantemente era de que não deveria ter
ficado até tarde na casa da amiga. Muito menos tido a imprudente ideia de
voltar sozinha pelas cinco quadras que a separavam do próprio apartamento.
Estudante universitária e feminista declarada, fez questão de parecer
independente e ir embora, ainda que a amiga tivesse gentilmente oferecido
abrigo por uma noite. Quando finalmente terminaram o trabalho a ser entregue no
dia seguinte, porém, a jovem juntou os materiais e se foi, deixando votos de
boa noite.
Mas agora que os prédios pareciam sombrios e um silêncio retumbante
tomava conta das ruas desertas, ela assumiu intimamente que não se importaria
em estar na companhia de um homem em cujos braços pudesse se abrigar. Enquanto
desviava das poças d’água causadas pela chuva que se fora há cerca de quarenta
minutos, no entanto, seu objetivo maior era chegar logo até o edifício de
quatro andares onde morava.
Dobrava a esquina e seguia segurando os materiais junto ao peito,
quando um estranho arrepio percorreu-lhe todo o corpo. Olhou para trás e sentiu
uma enorme vontade de colocar-se a correr imediatamente, ao mesmo tempo em que
algum tipo de força invisível a paralisou no lugar: estagnada de surpresa.
Um homem parado nas sombras, a pouco mais de dez metros de distância.
Ela quis acreditar que era apenas um qualquer, talvez até um pouco
bêbado, tropeçando pelas ruas da madrugada. Mas algo estranho na postura serena
que ele apresentava a deixou em um estado que mesclava pânico e curiosidade.
Com as mãos nos bolsos e os sapatos lustrosos – um pé no chão, outro encostado
no muro –, o homem tinha o rosto obscuro sob a aba de um chapéu.
Ela foi tomada por um medo sem explicação. Todavia, fazendo uso de sua
sensatez, concluiu que o sentimento era um equívoco, uma vez que o homem nem
sequer a encarava. Com o rosto baixo, observando qualquer ponto no chão próximo
ao meio fio. Ele parecia indiferente à presença da moça. E, além do mais,
faltavam apenas três quadras para chegar em casa. Pelo sim, pelo não, apressou
o passo.
Por mais que ele possuísse um encanto inexplicável, seduzindo-a de um
jeito bizarro, a moça tomou o cuidado de não olhar mais para o homem. E, chegando
ao outro lado da rua, já era capaz de vislumbrar o contorno da pequena praça
que ficava em frente ao edifício onde morava.
Que boba, eu sou!, pensava
consigo mesma, Qual é o problema de
voltar sozinha? Nem sequer um problemazinho para me preocupar!
Esboçando um sorriso de contentamento, olhou para trás já quase sem se
lembrar do homem que há pouco notara. Mas ele estava lá. O choque foi grande ao
perceber que, ao invés de ter ficado para trás, estava mais perto que antes. A
moça levou a mão à boca, sentindo o coração acelerar-se de uma maneira
inquietante, adquirindo uma pulsação descompassada. Pôs-se a caminhar com mais
pressa, observando-o pela visão periférica. O estômago revirou-se em um salto,
ao perceber que o desconhecido a estava seguindo.
Caminhou mais depressa; até perceber que corria, perseguida por um homem
desconhecido. Tentou pegar as chaves enquanto disparava pela calçada, mas ele
estava a pouca distância. Concluiu então, em um momento de total domínio da
insanidade e do desespero, que deveria continuar correndo e procurar
despistá-lo. Não se cansaria tão facilmente, sabia, pois era membro da equipe
de atletismo na faculdade e tinha um ótimo porte físico. Era possível que
pudesse voltar para o apartamento sem ser notada pelo homem.
Correu.
Largou os materiais no chão para evitar o peso e correu tanto quanto
poderia: talvez um pouco mais. Tinha os olhos assustados e cheios de lágrimas
ao perceber que, tão próximo do abismo da exaustão, ainda estava sendo
incessantemente perseguida. Lutava contra os próprios limites, libertando um
instinto de sobrevivência quase selvagem, que a fazia deslizar pelas ruas
escuras.
A essa hora já nem sabia mais o quanto correra ou a que distância
estaria seu apartamento; completamente perdida no tempo e no espaço. Os pulmões
estavam fracos demais para conseguir juntar fôlego suficiente para gritar. E,
além do mais, isso só denunciaria sua presença: ele rapidamente a encontraria e
tudo estaria acabado. Ela esgueirou-se por uma viela estreita, ao mesmo tempo
em que a chuva desabou de repente, embaraçando-lhe os cabelos ruivos que caíam
sobre o rosto. Em uma tentativa desesperada de despistar o homem, aproveitando
que o som de seus passos tinha sido encobertos pelo barulho da chuva, escondeu-se
atrás de três ou quatro grandes latas de lixo que encontrou em um beco, agarrando-se
a um último e fino fio de esperança.
Não conseguia vê-lo, e barulho da chuva contra a calçada impedia
também que pudesse ouvi-lo. Mas, de
alguma maneira, era como se sentisse os passos do homem ali por perto. Perto
demais. Mas então voltou a acalmar o coração, gradualmente trazendo a
respiração para um ritmo mais lento. Ele se fora. Por alguns segundos, ela
chorou – mas chorou de alívio, pois estava a salvo. Unindo todas as forças que
lhe restaram, ela pôs-se de pé.
Caminhando rumo à única saída, entretanto, um grito que deveria ecoar
por toda a cidade morreu na garganta, quando ela ergueu os olhos e notou seu
assassino parado a poucos metros de distância.
PRÓXIMA PARTE: Parte 2 - Ofício
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O suspense
policial intitulado "O Jardineiro" chegou, como ficou
prometido após o capítulo final de "O Crime de Vicent Nicholls".
Espero que esta nova história continuada agrade a vocês tanto quanto a ultima.
Próximos capítulos em breve! Aguardem novas publicações!
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