sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Edifício Beija Flôr, com acento, por favor



Então, no auge da minha vontade de independência, me mudei para um prédio desses de aluguel barato. Chamava-se Edifício Beija Flôr  com acento, por favor , e era onde ficava meu minúsculo apartamento no sexto andar. Eu chegava do trabalho cansada, com uma vontade contida de matar o meu chefe à machadadas; e um sentimento esquisito de iminente fracasso.
Eu descia do ônibus xingando o motorista dos nomes que eu sabia e daqueles que eu tinha inventado, porque ele fazia questão de passar direto pelo meu ponto, obrigando-me a caminhar quase quatro quadras de volta, para poder chegar em casa. Todos os dias, o velho porco só pisava no freio quando as quatro quadras já tinham-se ido; e ainda sorria marotamente antes fechar a porta e voltar a acelerar, lançando-me um olhar divertido pelo retrovisor. Eu mostrava-lhe o dedo e saía pisando fundo.
Chegava ao prédio ainda resmungando, onde um porteiro que falava um idioma que eu nunca cheguei a saber qual era, tentava conversar comigo em um português de palavras soltas que o pobre pensava fazer sentido. Nunca entendi o que o síndico tinha na cabeça por contratá-lo. Ele gesticulava e falava, depois desistia de tentar ser entendido, rindo do próprio embaraço.
 Então até mais, Seu Bruska, preciso ir agora.
 Varswiszth skulwq hulçhawky volkt.
 Aham, Seu Bruska, vejo o senhor depois.
Ele acenava murmurando alguma coisa parecida com um “adeus” e eu subia, sem saber direito se aquelas coisas indecifráveis que ele dizia eram realmente tão gentis quanto indicava o seu sorrisinho. Havia, ainda, a possibilidade de o Seu Bruska estar tentando me contar que meu apartamento tinha sido roubado ou estava em chamas. Sempre que pensava nas possibilidades negativas, torcia para estar no elevador alguma vizinha dessas bem fofoqueiras, que sabem da vida do prédio todo e contam a quem estiver por perto (principalmente a quem não quer saber). Geralmente Dona Gertrudes era quem eu encontrava, quando ela estava saindo para o seu jogo de bingo noturno. Nenhuma notícia sobre apartamento roubado, mas ela sempre se lembrava de tagarelar sobre sei-lá-quem do quarto andar que chegou tarde e tem uma amante, sobre dona-Fulana que está ficando biruta e seu filho mais velho quer levá-la pra um asilo e sobre a vizinha da frente que está com aluguel atrasado há três meses e vai ser despejada na semana que vem. Quando a porta do elevador se abria e eu finalmente me livrava de sua falação constante, ela provavelmente contaria ao próximo que visse sobre o quanto a moça do 703 é antipática. Que culpa eu tinha se ela era capaz de subir até meu andar somente pelo prazer de ter mais tempo para espalhar seu veneno aos quatro ventos?
Era uma época esquisita, aquela em que eu odiava boa parte de todas aquelas coisas. Ou, ao menos, pensava odiar. Eu não suportava meu chefe. Detestava o motorista do ônibus. Odiava profundamente o lugar onde morava, com um porteiro que falava turco ou sei lá o que, e vizinhas que vigiavam-me o tempo todo. Mas quando olho para o passado e vejo todas aquelas coisas que faziam da minha rotina tão movimentada, do Edifício Beija Flôr tão peculiar e da minha vida tão simples, é que percebo que às vezes superestimamos nossas ambições e desejos de mudar o futuro, em detrimento da percepção da realidade: o exato momento do agora, que é o mais importante de ser vivido, deveria ser encarado com menos aspereza.

2 comentários:

  1. É verdade! A realidade se impõe no cotidiano como se ela fosse à cara do futuro, e nós, figuras de percepções fracas, vamos sendo construindo em paredes tortas...

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    1. Acredito que usar o cotidiano a nosso favor é uma dádiva. É claro que podemos nos permitir sonhar (afinal, é isso o que nos impulsiona à melhora), mas é como eu disse logo acima: o exato momento do agora, que é o mais importante de ser vivido, deveria ser encarado com menos aspereza.

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