sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Aqui jaz um coração


Sob as lágrimas que derramei e as imbecilidades que cometi, está enterrado. Embaixo dos gramados ressequidos desse cemitério de lembranças que jamais passaram de fantasias que criei.
O grito se calou. O pranto secou. O momento se acabou.
O anjo, que sobre a lápide habita, foi testemunha do apodrecer dos sentimentos daquele pobre coração recusado. Que morreu, depois foi enterrado para ser esquecido. E por ter sido esse o único modo de exílio da dor, não recorreu de sua sentença. Aceitou-a de bom grado, com a verdadeira serenidade de um inocente: pagando por um delito que nunca chegou a cometer.
Os planos se desfizeram com a velocidade de um vendaval. E o furacão foi embora, depois de ter passado todo esse tempo se fazendo de brisa mansa. Assim sendo, aqui jaz um coração; cansado de ambicionar excêntricas impossibilidades. Fatigado de amar as entrelinhas. E esgotado por ter chorado de uma só vez, todas as lágrimas que guardou para quando fossem indispensáveis.
O epitáfio não traz arrependimentos pela audácia ou pela imprudência, mas se permite sugerir que não existem anestésicos para dores tão intensas. Nem camuflagens para feridas que ainda não se cicatrizaram.
Aqui jaz um coração, que entorpecido se foi, na esperança de encontrar uma terra onde pudesse entregar-se sem ser abandonado.  


quinta-feira, 27 de setembro de 2012



Dias nublados acontecem porque, algumas vezes, até o sol precisa se esconder por detrás de um lençol cinzento; e chorar sua saudade um pouquinho. Depois ele volta sorrindo, fazendo de conta que estava só um tanto cansado de olhar para a Terra assim, de longe.
O sol é um homem sábio. Mas até os sábios viram meninos acanhados quando o assunto é essa incógnita eterna chamada "amor".

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Café da tarde




Um café, ou cafuné;
Ou seja lá o que rimar
Escreverei no rodapé
“Queria mesmo era te amar”.

Um café, ou cafuné;
Ou qualquer coisa que pedir
Tenho força, tenho fé
Não vou nunca desistir.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Dom Quixote



Lutei contra meus sentimentos da mesma maneira que Dom Quixote lutou contra o moinho: em vão. Jamais conseguirei, porém, fazer de conta. Até de conta não consigo parar de sentir a realidade; essa realidade nossa, que devaneio sozinha, sem deixar você saber.
Aguardo com impaciência o dia da sua chegada que nunca chega.
Malditos sejam os acontecimentos que dão-me esse nó no estômago; tão bem apertado; tão bem entrelaçado, tão indigesto e indecente. E, em meio ao desconexo elo que há entre nós, existimos – ao mesmo tempo  unidos e afastados pelas casualidades de nossas indagações.
Encontrei todas as razões, e mais algumas, para dizer com franqueza: quero você bem longe de mim. O mais distante possível. Para que o meu sentimento possa atravessar o mundo e encontrar-te; só pra eu finalmente ter a certeza de que vale a pena tentar.
Não sou tão corajosa a ponto de enfrentar dragões, nem tão ingênua para enxergá-lo num moinho. Mas sei ser realista: e a realidade diz que vale a pena insistir. É o que farei. 

domingo, 23 de setembro de 2012

Mente cansada


Não da rotina, nem do dia
Mas do nada.
O que dizia; o que fazia
Na madrugada?

Era um presságio do que viria no futuro,
O que esperava do outro lado daquele muro
Que se chamava incerteza.
Deixando de lado a realeza
Para virar mero plebeu
E tomar de volta o que sempre foi seu.

Teve coragem pra derrotar os dragões
E se dispôs a enfrentar o inimigo.
Livrou-se das amarras, rompeu os grilhões;
Foi adiante sem temer nenhum perigo.

Viu o dia virar crepúsculo
E a noite virar manhã.
O tempo pareceu minúsculo
Como um fio fino de lã,
Tecido pelas mãos serenas
De uma pobre tecelã.

Mas o que dizer da realidade,
Essa quimera despudorada?
Usando-se de honestidade,
O que diz-se é: nada.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Das inconveniências que me trazes



Quero a sua indiferença. Quero o seu desmazelo. Quero o seu fingimento. Quero o seu faz-de-conta. Quero a sua mentira. Quero a sua dissimulação.  Quero suas falhas. Quero seus erros. Quero seus medos. Quero suas máscaras. Quero suas camuflagens. Quero sua canalhice. Quero sua insensibilidade. Quero sua negligência. Quero seu mau humor. Quero seus péssimos hábitos. Quero seus defeitos. Quero seus desfeitos. Quero sua aversão. Quero seu desapego. Quero sua má vontade. Quero seus vícios. Quero seu aborrecimento. Quero seu narcisismo. Quero sua irritação. Quero seu palavreado maldoso. Quero sua chatice. Quero sua impaciência. Quero sua fala arrastada. Quero seu sotaque irritante. Quero sua risada debochada. Quero suas manias. Quero suas excentricidades. Quero suas ilusões.
Quero qualquer coisa  mas, por Deus!  que venha de você.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Conclusão


No fim das contas, acabei sentando sozinho e quase imóvel num banco desconfortável. As pessoas passavam, murmurando coisas entre si. Mas eu sabia o que estavam dizendo, aqueles desalmados! Diziam “Coitadinho, ele ainda não entende essas coisas!” ou “Pobre garoto, nem sabe direito o que está acontecendo!”  era isso o que sussurravam, pode ter certeza. O que se passava em suas mentes medíocres? Será que por que eu tenho sete anos, estaria menos triste que os adultos?
A roupa preta em que me puseram quando acordei pela manhã já estava me zangando. E todos aqueles tios barrigudos e tias velhas e solteiras insistiam em dizer que eu tinha crescido muito. E que estava bonito. E que era uma pena o papai não poder ver-me crescer ainda mais. E que ele estaria orgulhoso. E que eu tinha de ser um bom menino para ajudar a mamãe. E, o que era mais irritante, teimavam em apertar minhas bochechas e proclamar em altos tons que eu era a coisa mais fofa do mundo ou algo do tipo. 
Gente que eu nem conhecia vinha me dar os pêsames. Eu nem cheguei a perguntar o que era isso e para quê servia, não fazia a menor diferença. O que importava era que o papai estava dentro daquele caixão lá na sala, cercado por velas e por pessoas: dessas, que lá no fundo  bem no fundo, mesmo  estavam indiferentes à dor da mamãe, que chorava debruçada sobre o corpo inerte do marido.
“Tão jovem”, diziam, “Tinha uma vida inteira pela frente”, suspiravam, “Mas está em um lugar melhor agora.” Até cheguei a acreditar nisso, de tanto que repetiam. Mas então fomos ao cemitério e enterram o papai. Quando começou a chover, todos foram embora: menos ele. Ficou lá, embaixo da terra, sendo molhado pelo enorme aguaceiro que caía do céu. E ninguém se importou. Nem mesmo a mamãe.
Aquilo não era um lugar melhor. E, se foi lá que terminou, então meu pai tinha sido muito mal. E acabou no inferno.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Auto-retrato


Observando atentamente o meu extremo mau gosto para escolher o que vestir na manhã de hoje, eu me mirava no espelho sem a menor vontade de sair de casa. Mas o dia estava a minha espera. De um jeito que não fazia há tempos.
Todas aquelas coisas que eu adiei soaram estridentemente em meus ouvidos, junto ao despertador. Levantei-me e tentei tomar o indigesto café da manhã; temperado de realidade.
Café com rotina. Pão com tédio.
Naquele instante eu só esperava que dessa vez, minha paciência se esgotasse um pouco mais tarde. E quando o meu ato-retrato ficar demasiadamente obsoleto, eu saberei criar um novo. Mas o espelho, esse não não mente. E depôs contra mim; gritando ao mundo que meu sorriso era de mentira.
Depois do banho gelado para espantar o calor, tudo o que eu tinha a fazer era esconder a frieza que envolvia minha alma.
Tranquei a porta. Saí para a rua.
Mundo, aí vou eu.

sábado, 15 de setembro de 2012


Você vinha caminhando sem pressa pela calçada, sorrindo monalisamente, e eu pensei: “Seu cretino, como podes ser tão odiável?” – sinceramente, eu quis matar você. Quis mesmo, quis te sufocar com as minhas próprias mãos. E quis te dizer todas as coisas que eu penso a seu respeito. E quis te mandar pra bem longe de mim. E quis te jogar na cara o quanto você é desprezível. Ou, ao menos, o quanto eu amo você.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XV



Com a arma na mão, ainda que trêmula, eu finalmente me sentia completo. Era como se aquela pistola fosse parte do meu braço estendido; uma continuação de mim, o complemento que faltava para que eu me tornasse tudo o que busquei durante a vida inteira.
O medo era tão evidente nas feições de Phillip que cheguei a pensar em poupá-lo. Mas quando eu me lembrei de meu pai, percebi que não: ele não merecia qualquer tipo de compaixão. A única coisa que merecia, afinal, era a morte. E esse era exatamente o motivo de eu estar ali.
Aproximei-me sorrindo de uma maneira meio maníaca, sem poder conter a alegria. E ele se encostou na parede, com os olhos arregalados e a boca aberta. Era como se estivesse imerso em um tipo de transe esmagador, vendo seus pesadelos tornarem-se uma realidade que parecia impossível há cinco minutos.
 O que faz aqui?  perguntou depois de quase um minuto; como se seu cérebro tivesse voltado a funcionar com uma faísca qualquer que lampejou dentro dele.
 Seu desgraçado  sibilei entre dentes, sentindo um fervor percorrer-me todo o corpo com a nova descarga de adrenalina que me envolveu  Você o matou!
 Não! Não fui eu!  ele gritava, estendendo as mãos para o alto  Eu juro!
Lágrimas saltaram de seus olhos, percorrendo o rosto até o queixo. Desespero.
Balancei a cabeça negativamente.
 Você sempre foi um mentiroso covarde, Phillip  insultei.
 Por favor, Vicent! Não faça isso!  gaguejava, em meio a soluços exagerados  Somos irmãos! Nós dois crescemos juntos!
Minha fúria aumentou.
– E por que eu teria compaixão? Por toda a vida você me chamou de bastardo. E quando soubemos da verdade  engoli em seco, contendo o ódio  você o matou.
– Vicent, não me mate! Dou-lhe o que quiser! Dou-lhe quanto quiser!
– Acha mesmo que a minha vingança tem um preço, Phillip?  eu puxei a trava da arma, preparando-a para seu dever, e ele soltou uma exclamação de pavor  Não é o seu dinheiro que eu quero. Mas o seu sangue. Para vingar meu pai como ele merece! Eu quero ver a luz deixar os seus olhos, exatamente como você fez com ele! Vamos, conte-me: como você o matou?
 Eu não o matei, eu...
 Mesmo?  interrompi  Então porque teve que se esconder?
 Eu tive medo, Vicent! Tive medo de você!
 E porque teria medo se não fosse culpado?
Phillip se calou de súbito, como se seu maior segredo tivesse sido descoberto. Seu melhor argumento falhara. Ajoelhado no chão, ele juntava as mãos implorando pela própria vida.
Fui acometido por uma imensa onda de nostalgias. Lembranças de nossa infância; quando ele costumava pôr-me a culpa pelas travessuras  como na vez em que fumou um dos charutos importados do nosso pai. E da adolescência, época em que ele costumava a contar às garotas do colégio que eu era um bastardo. Da juventude; quando ele foi para a guerra e voltou com sua pompa exagerada, dizendo a todos que recebeu medalhas por honra e bravura  mas ninguém jamais chegou a vê-las por muito tempo, até que ele cedeu à pressão e mostrou-as para nós: e eu fui o único a perceber que eram mais falsas que suas histórias sobre como as ganhou. E, finalmente, memórias da última vez em que nos encontramos. E a maneira que ele agiu quando soube que eu era tão filho de Marcus Mason quanto ele.
Respirei fundo.
 Quais são as suas últimas palavras, irmão perguntei.
Percebendo que a morte era inevitável, Phillip abraçou-a como um verdadeiro homem de coragem, de uma maneira que nunca fizera antes. Pela primeira vez na vida  e última , Phillip se atreveu a ser ele mesmo. Encarou-me com uma expressão carregada de tanto ódio que quase cheguei a pensar que quem estava prestes a morrer fosse eu.
 Eu espero que você morra também, seu bastardo nojento  ele falava de uma maneira arrastada, como quem lança uma maldição – Mas que tenha uma morte pior que a minha. Você e aquela vadia a quem chama de espo...
Puxei o gatilho.
Os olhos de Phillip ficaram distantes por alguns instantes. As feições mudaram para um vazio estranho; como uma mistura de dor, surpresa e medo. Ele levou a mão direita ao peito, mas não houve tempo para que checasse o grau dos próprios ferimentos. Caiu para um lado ainda com os olhos abertos, mas já sem enxergar.
Meu coração martelava no peito de um jeito que me fazia temer estar tendo um ataque cardíaco. Uma poça de sangue começou a se formar pelo piso branco e extremamente lustroso diante de mim, onde o corpo inerte do meu meio irmão jazia em uma posição bizarra. Larguei a arma no chão, ainda em choque, e aproximei-me de Phillip. Arfando com dificuldade, eu senti o peso de uma morte sobre meus ombros. Ajoelhei-me ao lado dele, com uma estranha sensação de perda no lugar onde deveria estar minha vitória; meu sentimento de triunfo. Era como se minha cede de vingança não tivesse sido saciada.
Quase sendo tocada pelo sangue que cobria boa parte do chão ao redor do corpo, havia uma carta. Agarrei-a rapidamente, antes que fosse manchada de vermelho. Phillip jamais chegou a lê-la, pois ainda estava lacrada. Abri o envelope, ainda com as mãos trêmulas. E então uma pontada dentro do peito me fez cambalear e sentar-me no chão ao lado de Phillip, quando imediatamente reconheci a letra do remetente. Ou, melhor dizendo, da remetente.

_______________________________________________________