quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Apenas



Madrugadas conseguem ser vazias. Tão vazias que chegam a ser cruéis.
E então acabo por preenchê-la com músicas e pensamentos. Mas pensamentos vazios também; desses tão bizarros que a gente se esquece depois de meio minuto. Esses sentimentos que vem e vão, sem que eu possa sequer notá-los. Como chuvas de outubro; ventos de julho ou aquele sol debochado de fim de ano.
Você me fala de promessas. Venho falar de realidades. A minha; a sua; e a nossa.
Você pertencerá um dia a alguém cujo nome desconheço. E eu seguirei o meu caminho, como se nada tivesse acontecido. Foi o combinado desde o início que tudo isso que estamos vivendo jamais passaria de uma brincadeira. Todavia, peço que por enquanto seja meu – não totalmente, apenas mais que costuma ser. Pode ser de quem mais quiser, de quantos mais quiser: mas ouça-me quando eu chamar.
Quando o dia amanhece, ainda estou pensando se o que faço é te usar. Mas percebo que não, porque no fim das contas, estamos usando um ao outro para cicatrizar feridas recentes. Não ambicione nada além disso. Se quer um conselho: não confie em mim.

Where I was, I had wings that couldn't fly
Where I was, I had tears I couldn't cry
My emotions, frozen in an icy lake
I couldn't feel them until the ice began to break*

Não devo negar, porém, que por causa de você estou aqui agora – distante de tudo o que me fez mal.
E viva novamente.

*Tears of the Dragon - Bruce Dickinson

domingo, 19 de agosto de 2012


Então eu percebi, no meio
da gargalhada, que o meu
sorriso já não era mais
o mesmo. Parece que as
máscaras caíram antes da
ficha e eu acabei
descobrindo o quanto é
difícil confiar nas
exceções.
  


sábado, 18 de agosto de 2012

Vermelho



Era melhor não adiar. Se todos os problemas eram assim tão fáceis de resolver, porque ninguém mais tinha tão brilhante ideia? Iria salvar-se. E salvar a todos eles.
Cortou os doces, os medos, as drogas, os livros e os pulsos. A faca afiada, o sangue vermelho no tapete branco: estava feito. Feito e perfeito, com os devidos dramas. Só que sem carta de despedida, porque achou que ninguém merecia. Sem pedido de desculpas, porque acreditava estar fazendo a coisa certa. Sem medalhas, sem honra, sem arrependimentos. Talvez porque estivesse acostumado: na vida morreu várias vezes. De medo, de sono, de remorso, de vontade, de saudade   mas principalmente de tédio. O tédio era o maior motivo, chegou a pensar que talvez a morte fosse um pouco mais interessante.
Enquanto a vida se esvaía, pensava em quando o encontrassem. Quase se divertiu com isso. Então foi-se embora, deixando um sorriso torto para trás. Olhariam para ele incrédulos e impressionados. E assim, suas últimas palavras foram:
 Eu gostaria de estar aqui para ver também.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo VII


 Collins!  eu disse, empurrando-o para longe  Você me assustou!
 Eu vou matar você, Craig! Matar, está me ouvindo?  ele gritava, com um dedo apontado para o meu rosto.
Louis Collins era o que se pode chamar de meu melhor amigo. Na falta de algo melhor, devo dizer. Ele me pagava sorvetes de vez em quando, deve ser por isso que eu não me afastava dele  apesar de fazer-me de saco de pancadas sempre que sentia vontade de descontar a raiva em alguém. Collins também vivia no abrigo para menores  o prédio abandonado que invadimos há alguns meses.
Ele tinha dezesseis anos e se achava muito mais experiente e sábio que eu. Só que na verdade sempre fui o mais astuto, apesar dos dois anos a menos. Collins era uma espécie de irmão mais velho: brigávamos o tempo todo, mas éramos bons companheiros.  E eu já me acostumara com seu jeito explosivo.
 Porque está gritando comigo?  perguntei, enquanto me esquivava de um soco dele.
 Onde diabos você se enfiou?
 E o que você tem com isso? Esteve com saudades?  provoquei.
Ele se enfureceu ainda mais. Dizia palavrões e andava de um lado para o outro. Seus olhos faiscavam quando ele conseguiu me acertar um belo golpe no queixo.
 Seu desgraçado! Eu pareço estar com saudades? – gritava ele, enquanto eu sorria limpando o sangue da boca com a manga da roupa.
 E por que outro motivo estaria tão enfurecido?  falei, com a voz sedosa.
 Não sei – ironizou, errando um novo soco  Talvez porque você me roubou durante a noite!
 Ah, isso!  eu fingi ter acabado de me lembrar  Um homem estava precisando mais daqueles curativos que você.
 Um homem? Um homem?  ele estava quase babando  Você gastou meus curativos com um desconhecido? Eu vou mesmo matar você, moleque!
Eu ria enquanto desviava de seus golpes. Depois de tanto tempo, já tinha ficado bom em fazer isso. Collins era previsível. Além do fato de que ficava cego quando estava muito enfurecido. Eu tinha sorte por ele gostar de fazer as coisas com as próprias mãos, ao invés do líder do abrigo, Anthony Roberts, que vivia cercado por seis outros grandalhões.
 Me escute, Collins!  gritei.
Ele parou ofegante, apoiou as mãos nos joelhos para descansar.
 Ok  disse por fim, depois de recuperar o ar  É bom que você tenha uma boa explicação, Craig, ou eu vou matá-lo!
 Ótimo  respondi  Eu tenho um emprego.
A primeira reação de Louis foi encarar-me surpreso, depois rir descontroladamente. Quando percebeu que eu continuava sério, o sorriso desapareceu de um jeito engraçado.
 Espere  disse, aproximando-se de mim  Você está mesmo falando sério?
Contei-lhe tudo, desde o momento em que saí do abrigo armado com um revolver para assaltar qualquer um que me parecesse suficientemente indefeso e sozinho; até o momento em que acordei num quarto de hotel. Tudo isso, tomando o cuidado, é claro, de esconder os planos do Sr. Nicholls.
 Então...  disse Collins quando terminei. Ele parecia demorar um pouco para processar tanta informação  Você atira em um homem e ele lhe oferece um emprego?
 Eu sei que não faz muito sentido, mas precisa acreditar em mim  – justifiquei-me.
Encarei-o com um pouco de medo, mas ele não parecia zangado. Encolhi-me quando ele chegou a uma distância em que poderia bater em mim caso quisesse.
 Você sempre foi o mais esperto  admitiu, colocando uma das mãos em meu ombro e sorrindo com orgulho.
As palavras me pegaram de surpresa.
 Louis...  comecei a dizer.
 Não  interrompeu-me  Você tem sorte, Christopher. E não merece passar o resto dos seus dias mendigando por aí.
 Louis, se você quiser, eu posso falar com o Sr. Nicholls  propus, sem poder evitar as lágrimas  Pergunto se não há espaço para mais um! Eu juro, falo sim!
 Eu pertenço às ruas, Christopher. Aqui é a minha casa  disse ele, fazendo um amplo gesto com os braços  Você não é daqui, moleque. Vá seguir seu caminho!
Nós nos abraçamos longamente.
 Obrigado  sussurrei.
Corri chorando pelas ruas de Londres, rumo ao endereço escrito no papel. Ninguém notava, nem nunca havia notado. Nós, meninos de rua, nascíamos invisíveis aos olhos dos londrinos, e assim permanecíamos. Esse dom chegava a ser irritante. As únicas vezes em que nos viam, era quando roubávamos alguma coisa. Como se de repete, todos os olhos se decaíssem sobre nós ao mesmo tempo. E então, depois de tudo devidamente esquecido, voltávamos a invisibilidade.
Depois de pouco mais de uma hora peregrinando pela cidade, cheguei à casa. Era exatamente igual à descrição que o Sr. Nicholls me fizera. Um grande casarão antigo, com dois pinheiros à frente.

Um grupo de três crianças muito bem alinhadas atravessava a rua.
 Ei, vocês  gritei, de um jeito estabanado.
Os garotos pararam e se entreolharam com olhos arregalados e expressões amedrontadas.
 Quero saber quem mora nessa casa  eu disse, apontando. Os meninos assustados guardaram silêncio.
Um deles se atreveu a dizer, com a voz trêmula:
 Não sabemos, senhor! Era de Phillip Mason, mas ele se mudou depois da morte do pai!
Agarrei o garoto pela gola da blusa e o trouxe mais para perto.
 E onde ele mora agora?  fiz um certo esforço para parecer suficientemente mal.
 Desculpe, senhor! É tudo o que sei!
 Tem certeza do que está dizendo?  insistiu Collins, fazendo o menino chorar.
Um outro passou à frente, num ato de coragem, e disse:
 Ouvi dizer que se mudou para a rua Belo Monte, senhor!
 Larguei o garoto que  para meu orgulho  choramingava, e aproximei-me do que acabara de falar.
 Mesmo? E o que mais você sabe?
 Meu... meu pai conhece o Sr. Mason... – respondeu o garoto, encolhendo-se  Disse... que ele mora em uma casa duas vezes maior que essa!
Não precisou de muito esforço para que cada um dos informantes milagrosamente se lembrasse de detalhes adicionais para ajudar-me. Collins sempre foi muito bom ameaças, acho que acabei aprendendo isso com ele. Caminhando à rua indicada, eu pensava no quanto o Sr. Nicholls ficaria surpreso e satisfeito com o meu progresso. Sorri ao imaginar.
Quando cheguei à esquina da Belo Monte, reparei em uma mulher que vinha do outro lado da rua. Ela atravessou e parou diante de mim, com uma expressão sombria. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela me calou com um sinal de mão.
 Eu sei o que veio fazer aqui, garoto  disse-me, com uma voz assustadora  E não vou permitir.

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Link do Capítulo VI (anterior)
Link do Capítulo VIII (próximo)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012



Com sua mente mafiosa,
pensava em muitas coisas.
Exceto as úteis.
Essas não interessavam
nem um pouco.




Indefinições

Poema é a voz do luar
É paixão por falar, cantar e encantar
Toda lágrima, todo sorriso, todo barulho
Fazem parte do enorme embrulho
Poetizar

Meus versos estão parados
Contemplando o infinito
Num mundo de decepcionados
Que deixou de ser bonito

Mas não venho falar de poema
Nem venho falar de amor
Anestesiada pelo emblema
Que alguns chamam de pudor
Há quem chame isso de modos
Eu chamo de cretinice
Encarando os teus olhos
Cansando-me dessa mesmice

Levante-se, crie coragem
Minha paciência foi-se embora
Entenda que meu tempo é aqui
E agora.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Quimera


Nossos desejos de marcar um ao outro equilibram-se em uma linha tênue entre a curiosidade e o pudor. Como que em brasa, queimando numa lentidão exagerada – de um jeito mortiferamente sedutor. As horas se arrastam com meus questionamentos, numa tortura infindável de pensamentos metediços.
Qual será o seu segredo?
Teu veneno é tão nocivo que o vício foi inevitável. Peguei-me corroída, desmanchando-me. Não é amor, até porque nunca tive talento para isso. Deve ser mais um delírio qualquer; um encantamento antigo, despertado sem nenhum motivo aparente. Perdoe-me pela sinceridade.
Não esconda-se de mim.

terça-feira, 14 de agosto de 2012



Acho que, basicamente, estamos de caso por acaso. Espero que entenda minhas entrelinhas quando eu digo que não quero nada além do seu querer.


domingo, 12 de agosto de 2012

Senhora


 De repente olhei para o mundo e tudo me pareceu tão belo que cheguei a sorrir, sem nem saber o motivo. Acho que pela primeira vez eu vi a vida fluindo; seguindo seu caminho  numa mansidão profunda, numa calmaria imutável. Acreditei, como nunca fizera antes, que as coisas de fato acontecem exatamente como devem acontecer. E me peguei observando um céu sem nuvens, pontilhado por pássaros distantes – desses que passam a vida cantando seus mantras e voando com asas de liberdade.
A felicidade que me tomou era do tipo sem motivo, que não se sabe de onde vem. E, percebendo isso, comecei a crer que estava sonhando. Mas não, não tenho sonhos calmos há muito tempo. Quando a infância se vai, vão-se os contos de fada.
Minha paz, porém, era tão grande que o tempo parecia parado – porque assim eu desejava. Senhora do tempo, sim. E de mim mesma. Senhora do mundo, eu. E do céu também.
O que me poderia perturbar? Quem se atreveria a atrapalhar-me? Eu voava pelo azul, rumo ao poente. E ninguém pode deter-me. Porque eu voo com as asas do infinito que me abraça; e pousarei nas mãos do meu destino. Somente eu é que vou decidir onde quero ir.
Eu sou senhora do que quiser.
E quero ser senhora da minha vida, nada mais.

Pôr do sol visto da varanda da minha casa. Foto de 09/04/12.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo VI


O garoto pareceu tão empolgado ao deixar o quarto, que cheguei a supor que ele poderia voltar dentro de meia hora trazendo boas notícias. Sorri com o pensamento otimista, pelo fato de ser tão improvável. Tomei um banho quente enquanto pensava em tudo o que acabara de dizer a Christopher. Depois, corajosamente, refiz os curativos do braço.
Ainda sem me vestir, enrolado na toalha, abri a mala e procurei por mais dinheiro debaixo das roupas. Tinha uma quantia suficiente para a diária de aproximadamente duas semanas, talvez um pouco mais. O hotel poderia até ser o pior de toda a Londres, mas só por estar aí localizado, já se sentia no direito de cobrar caro pela hospedagem. Apanhei o necessário e recoloquei o restante de volta à mala.
Vesti as roupas, peguei a arma que eu tinha confiscado do garoto e coloquei-a no cinto. Arranjei o paletó por cima dela, tomando o cuidado de olhar-me no espelho do banheiro para ter certeza de que não estava à vista. Peguei o chapéu e saí do quarto.
Tranquei a porta, guardei a chave no bolso da calça e caminhei calmamente pelo corredor. Mesmo sendo dia, a claridade era um pouco ofuscada. Ainda assim, o papel de parede encardido tinha uma cor feia. Além do fato de que descascava em algumas partes onde parecia ter sido roído por ratos. Os vasos de flores que eventualmente apareciam na decoração apenas tinham folhas secas e ervas daninhas. E as poltronas azuladas desmontariam só com o pensamento de alguém que ousasse sentar-se nelas. Desci a escadaria que rangia, vendo aranhas fugirem para se esconder em suas teias quando eu passava perto delas.
Quando cheguei à recepção, uma mulher caminhava até o balcão. E eu não podia negar que ela era absurdamente linda. Excluindo a Christopher e a mim mesmo, seria provavelmente a única hóspede do Bela Vista. Ao observá-la rapidamente, a primeira coisa que me ocorreu era que não deveria passar de uma prostituta, a julgar pelo modo com que se portava. Mas depois de alguns segundos olhando bem, percebi que aquela dama tinha muita classe. Não fazia sentido, porém, que precisasse se hospedar em um hotel tão decadente. Seu andar imponente fez um calafrio percorrer-me o corpo, como se mesmo sem dizer nada, ela pudesse me intimidar.
A maquiagem dos olhos era muito escura e o batom cor de sangue. O vestido – sabiamente planejado para exaltar as belas curvas que ela tinha – também era vermelho, rente ao corpo até a cintura, onde ficava rodado e assumia um tom preto aveludado até terminar pouco abaixo dos joelhos. Os cabelos muito negros estavam presos em um coque; e o chapéu preto tinha uma grande flor rubra do lado esquerdo. Carregava uma única mala, marrom escura.
Desgrudei os olhos dela e fui até a recepção, onde o velho encarava a aproximação da moça com a boca escancarada.
– Vim acertar o adiantamento.
O recepcionista mal conseguia ouvir o que eu estava dizendo. Era como se a mulher fosse um ímã a seus olhos. Ela parou diante do balcão e nos cumprimentou com um aceno de cabeça, sem dizer nada, depois aguardou a sua vez. Aquilo pareceu um incentivo ao velho, que de repente percebeu a necessidade de despachar-me o mais rápido possível.
– Sim – disse-me, limpando o suor da testa com um lenço – E vai pagar por quantas noites?
– Cinco noites, por enquanto.
Entreguei-lhe o dinheiro enquanto a mulher assistia a tudo, depois me virei de costas para eles e caminhei rumo à porta de saída.
– Ei, você – chamou a mulher quando eu mudei o passo. Encarei-a com indiferença. E ela continuou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa: – Você tem um cigarro?
– Tenho – voltei a dar-lhe as costas.
Silêncio.
– E então? – disse ela, quando eu já estava à porta do corredor.
– E então o quê? – perguntei, levantando as sobrancelhas.
– Eu quero um cigarro – ela estendeu uma das mãos e eu abaixei a cabeça para sorrir de um modo meio irônico, depois voltei a ficar sério.
– Compre-o – respondi simplesmente, levantando as sobrancelhas.
Ela não pareceu se afetar com a minha falta de modos e eu também não me importava nem um pouco com a imagem que pudesse fazer de mim. Saí para as ruas de Londres. A manhã estava amena e os carros transitavam exibindo todo o luxo da cidade grande, contrastando com a miséria dos mendigos que estendiam as mãos pedindo dinheiro aos pedestres. Caminhei por cerca de vinte minutos, apreciando a vista. Os casarões antigos, as construções modernas, as praças, as belas mulheres.
Entrei na casa de penhores e fiquei espantado com a quantidade de coisas à venda. Um caminho estreito ligava a porta ao balcão, que ficava no fundo da loja: tudo em volta eram objetos. Haviam livros, vasos com plantas, bússolas, estatuetas, ferramentas, cadeiras, jogos de chá em porcelana, abajures, pinturas com molduras antigas, portas-casaco e até uma geladeira e um piano antigo – sobre o qual descansava uma porção de outros objetos. O dono era um homem com pouco mais de quarenta anos e a expressão mais desonesta que eu já vira na vida. Seus ombros eram curvados para frente, o nariz era enorme e pontudo, seus olhos saltados encaravam-me como que perguntando o que é que eu tinha a oferecer. Era um vigarista, nada mais que isso.
– Em que posso servi-lo, meu senhor? – a voz era falsamente educada.
Tirei a arma da cintura e coloquei-a sobre o balcão. O homem encolheu-se um pouco.
– Fale-me sobre essa arma.
Ele a segurou por alguns instantes, franzindo a testa. Examinou-a de vários ângulos, tirou as balas, recolocou-as, depois disse:
– É um revolver calibre vinte e dois – fez uma pausa e empunhou-o na altura da cabeça, com um dos olhos fechados, fazendo mira em qualquer coisa – Eu diria ser relativamente preciso, apesar de não ser tão confiável por já estar um tanto velho... eu precisaria fazer outras avaliações para afirmar com certeza – aqui ele desmontou a arma com a facilidade de alguém que o faz com frequência – Acho que deve ser bastante barulhento.
Era tudo o que eu precisava ouvir.
– Quero trocá-la por algo mais moderno e silencioso – eu disse, enquanto tirava o relógio do pulso e o colocava sobre o balcão – acrescente isso às suas contas.
O homem sumiu por uma porta à sua esquerda e voltou menos de cinco minutos depois, com uma caixa de madeira nas mãos. Ele a abriu com cuidado e mostrou-me o interior.
– É uma pistola calibre quarenta e cinco – disse orgulhosamente, quase sorrindo – Você tem sorte, acabe ide comprá-la. Foi usada na guerra. É silenciosa... bem, na medida do possível; e a mira não deixa a desejar, eu mesmo testei.
Peguei a arma que era preta e reluzente, analisando-a. Exatamente o que eu precisava! Mas algo me dizia que não sairia barata.
– Quanto quer por ela? – perguntei.
O homem sorriu: era o que ele queria ouvir.
– Ora, ora, senhor – disse, daquela maneira irritante e fingida – Entenda que é uma boa arma. Não me agrada a ideia de ter que me desfazer dela tão depressa.
– O revolver e o relógio pela pistola – propus.
Ele riu falsa e ruidosamente.
– Senhor, não brinque com um homem de negócios! Com todo o respeito, essa pistola vale duas vezes o seu revólver e muito mais que seu relógio!
Ajeitei o chapéu e suspirei. Tirei o dinheiro que sobrou do acerto do hotel do bolso interno do paletó e coloquei sobre o balcão.
– Se essa quantia não for suficiente para cobrir a diferença – eu fiz uma pausa e olhei o homem nos olhos –, eu vou embora.
Ele encarou-me com uma expressão de desdém, resmungou alguma coisa sobre não ter nada a perder e aceitou minha oferta.
De volta à rua, fui pego de surpresa por uma chuva fina que começava a cair. Apressei o passo. Com um pouco de sorte, chegaria ao Bela Vista sem ficar ensopado. Só precisava torcer para que a a tempestade que se formava esperasse mais alguns minutos para desabar.
Caminhando com pressa, experimentei a estranha sensação de estar sendo observado. Andei por duas quadras sentindo um formigamento na nuca, como se um par de olhos estivesse pregado nela. Meus sentidos se aguçaram involuntariamente, do jeito acontece quando me sinto em perigo. Eu estava atento a todos os ruídos que me cercavam, sentindo os cheiros mais discretos e vendo detalhes com clareza.
Me virei de súbito quando ouvi passos.
– Você? – espantei-me.
– Sim, eu. E quero saber quem você está pretendendo matar.  

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