quinta-feira, 31 de maio de 2012


Quando menino, queria ser escritor – quem sabe até famoso. Quando adolescente, queria ser rebelde: desafiar o sistema. Quando adulto, queria ser um homem de negócios bem sucedido, para ganhar bastante dinheiro. E agora, depois de velho, tudo o que quer é se tornar um pouco mais...

humano.



quarta-feira, 30 de maio de 2012

Teu Teatro

O palco está pronto, as cortinas vão se abrir. Vá, encene o teatro da sua vida! O público espera ansioso. Será que aplaudirão? Será que és bom ator? Vá depressa! É por você que eles chamam. Consegue ouvi-los? Querem você! Querem julgá-lo, rotulá-lo e depois apontarem seus defeitos. Logo eles! – tão hipócritas, meramente invejosos do seu papel principal.
Vá, ande logo! Ser coadjuvante logo após já ter sido o co-autor da própria peça. Sem você não há espetáculo, por mais que ainda seja assim, tão substituível. Vá e prove que merece mais reconhecimento pela atuação impecável. Arranque algumas lágrimas e talvez seja lembrado. Apanhe qualquer sorrisos e quem sabe notem você.
Vá, corra! Se apresse antes que alguém roube-lhe a figuração. Sabes muito bem o que fazer, aproveite os dois minutos de fama. Não se iluda com o sonho fantasioso de receber alguma fala. Calaram-te antes mesmo que aprendesse a pensar por si só.
Vá, imediatamente! Os ingressos estão se esgotando. Se correr, talvez consiga um bom lugar. Ainda há alguma chance de ver o espetáculo: mas precisa se apressar. Chegue antes das cortinas se fecharem e – quem sabe – tenha um vislumbre de como seria bom estar no elenco da própria história.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Apenas Um



O universo assim conspira:
Enche e esvazia-me com sua mentira
Mas não se atreve a mostrar a face;
Procede nesse enlace,
e continua oculto
como que apenas um vulto, por detrás da mansidão.

Nascemos vencidos,
nossos devaneios exauridos
Como quimeras sem charadas
à atravessar as madrugadas,
tão frias e gélidas desse inverno constante.

Aprendi a me virar,
mas não me encontro em canto algum.
E esse mundo tão vulgar
leva-me a lugar nenhum.

Meus pensamentos, onde estão?
Perdi-os em meu turbilhão
de desnecessários desapegos.

Tenho sonhos a realizar: milhares, centenas
Mas posso resumi-los em apenas

Um

Monstros


Quisera eu, desesperada e aflita, afugentar esses malditos monstros dos meus pensamentos. Tentei em vão mandá-los para longe, de infindáveis e inúteis maneiras. Não se foram. Nem com o pranto, nem com o grito, nem com o silêncio. Evoquei sentimentos que nem sabia possuir, para ajudarem na tarefa. Dissiparam-se antes mesmo que as lágrimas que caem dos meus olhos e me percorrem a alma secassem.
Vejo meus fantasmas com seus risos espalmados e zombeteiros, ostentando ares de quem me venceu. Assombram-me com crueldade. Apontam-me e sussurram entre si todas aquelas verdades dolorosas. Insolentes! Peço uma parte, dão-me migalhas. Depois assistem minhas apostas improfícuas e se divertem à custa do meu desprazer.
Os sonhos, outrora tão nítidos, agora escondidos por trás de um nevoeiro escuro de repetidos fracassos. Nem me lembro mais do aspecto que possuíam. E os meus medos, sempre tão mansos e domesticados, tornaram-se feras hostis e indomáveis. Sinto falta de deter o controle.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

História de um primeiro amor



O pecado não morava ao lado. Não, não se atrevia a chegar tão perto. Morava logo no fim da rua, e se chamava Maria Clara. Era a perdição de todos os garotos do bairro, apesar de ainda serem perfeitamente capazes de trocá-la sem hesitar por uma partidazinha de futebol no campo improvisado da esquina. As outras meninas nunca se igualariam àquela donzela em construção, que vivia com uma tia-avó velha e ranzinza: o dragão, como costumava dizer Pedrinho, o maior admirador de Maria Clara.
Todos os domingos de manhã, Pedrinho ia à igreja com os pais. O menino, que há pouco perdera o seu diminutivo depois de orgulhosamente completar 11 anos de idade, ainda carregava o apelido que com certeza o acompanharia para sempre. E era na missa que ele a via: desfilando um vestido branco rodado e sapatilhas brilhantes. Seus cabelos eram loiros e muito lisos, soltos até o meio das costas, levemente escondidos por detrás de um véu rendado. A boca era rosada e tinha olhos verdes espertos, de uma menina que gosta de ser cobiçada. Bons tempos aqueles, em que garotas de 10 anos de idade não se empenhavam tanto em parecer mais velhas.
Pedrinho, por sua vez, era sardento, exageradamente alto para a idade e muito magricela. Seus olhos eram baixos, como se sempre tristes; os cabelos escuros e lisos formavam redemoinhos atrás da cabeça. As roupas lhe pareciam constantemente largas, por mais que a mãe se empenhasse em ajustá-las na máquina de costura. E, como se não bastasse, era tímido como nunca se viu igual. 
Na missa, Pedrinho nem sequer dava atenção ao que dizia o padre (um velho francês e já meio caduco, que falava português com um sotaque carregado). Estava ocupado demais observando aquela menina tão bela. Maria Clara, por sua vez, não era boba: sabia que havia um garoto sentado ali, do outro lado da igreja, encarando-a firmemente. Mas era ótimo fingir que não tinha percebido, tentar agir naturalmente e dar um jeitinho de espiá-lo também – sem que a tia percebesse, é claro. Era um menino agradável, tinha de admitir. O nome dele não sabia, apenas tinha vaga lembrança de vê-lo brincando no quintal de uma casa no início da rua onde ela também morava.
Depois da missa, Pedrinho ia embora, sem compartilhar com ninguém a sua felicidade por tê-la visto. Maria Clara... sempre tão bela! Sabia que máximo que ganharia se falasse de sua amada para alguém mais velho seria algum tipo de riso debochado, seguido de um comentário maldoso: "Tome vergonha, menino! Garotos da sua idade não podem se apaixonar!" Mal sabiam os adultos o quanto estavam errados...
Era uma quinta-feira cinza e gelada. Faziam quatro longos dias que Pedrinho não via sua "namorada". Voltava apressado da escola para casa, andando apressado e esfregando os braços para afugentar o frio – maldita a hora em que fora se esquecer de levar o casaco. Sempre passava devagarinho na porta da casa de Maria Clara, esticando o pescoço para ver além das cortinas amarelas nas janelas. Mas naquele dia, esquecera-se disso também.
– Olá – o cumprimento pegou o menino de surpresa.
Ofegante, colocou uma das mãos no peito antes de responder.
– Oi.
– Sou Maria Clara – disse a menina, abrindo um largo sorriso.
"Eu sei", quis ele responder, mas não se atreveu.
– E eu, Pedrinho – o rosto enrubescido.
A menina riu timidamente.
– Mas você é tão alto... 
Ele sentiu um formigamento nas bochechas, e respondeu encarando os pés: – Bem... o eu nome verdadeiro é Pedro.
– Ah – ela fez uma pausa, também olhando para baixo, como se pensasse em alguma maneira de alongar a conversa – Minha tia-avó costuma me chamar de Clarinha.
Silêncio.
– Você sabe brincar de peão? – foi o melhor que Pedrinho conseguiu improvisar.
– Não – ela respondeu, as borboletas no estômago do garoto voando mais alvoroçadas do que nunca – E você, sabe?
Ele tirou o brinquedo do bolso.
– Sou o melhor do colégio – gabou-se, com ares de vencedor.
– Eu gostaria de aprender – a menina esboçou um sorriso de leve – Se... você puder ensinar, é claro.
Pedrinho olhou nervoso para a janela da casa.
– Mas e se a sua tia...
– Foi à mercearia – interrompeu Clarinha.
Pedro e Maria Clara, outrora estranhos, agora brincavam juntos: apenas apreciando a presença um do outro enquanto podiam. Teriam vinte minutos até que a tia-avó retornasse e desse-lhes uma bronca por estarem conversando: "Não é direito um menino e uma menina ficarem sozinhos assim", diria. Mas até lá, eram apenas os dois: vivendo seu amor mútuo e verdadeiramente puro.

sábado, 26 de maio de 2012

A casa é sua



Entre, puxe uma cadeira, acomode-se no sofá ou se sente no chão mesmo, caso prefira. O que vale é se sentir puramente à vontade. Está em casa, faça o que quiser; pode até tirar os sapatos. Escolha seus assuntos preferidos e veja o tempo passar. Seja breve com eventuais reclamações, depois divirta-se. Falaremos de coisas boas. Ou podemos simplesmente ficar quietinhos, em um silêncio sereno, ouvindo o som de nossos pensamentos.
Venha, vamos construir momentos inesquecíveis. Como é bom matar a saudade, não é mesmo? Passar as horas jogando conversa fora, brincando de coisas bobas e construindo lembranças. Quando nos cansarmos, pensaremos em algo novo pra fazer: que sabe, nada. O dia é uma criança, a noite outra. Você e eu também, vamos agir como tal.
Olha, tenho tanta coisa pra contar que você pode se cansar de me ouvir. Mas peço que, por favor, mantenha a calma. Prometo que faremos uma pausa para um lanche.Tem café quente no bule e biscoito fresco na tigela  não se acanhe, foi para você mesmo que os fiz. Pode até abrir a geladeira, se quiser. Não há muita coisa lá dentro como há aqui dentro de mim, mas talvez você prefira espiar num interior menos bagunçado que o meu.
Senti sua falta, acho que devo confessar. Mas o que eu poderia fazer? Fui obrigada a te deixar para trás: não pude esperar, a vida me chamou. É que você se foi assim, deixando votos de boa sorte e sucesso, depois se esqueceu de voltar para conferir se tinha funcionado. Minhas escolhas também levaram-me a outros recantos, temos que dividir a culpa. Só espero que não se assuste com minhas metamorfoses pouco sutis.
Ei, mas você já vai? Está tão cedo ainda, fique mais um pouco! Ah, desculpe-me, esqueci que não é de seu feitio esperar por mim. Volte um dia desses, para podermos conversar. E falar de como estamos nos distanciando devagarinho...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Erros meus





Vejo amor onde não tem. Sinto ausências com pessoas por perto. Vejo saudade onde ainda existe alguém. Ouço o silêncio nas palavras – vazias que são. Vejo a mentira de certas verdades. A solidão me acompanha por ruas lotadas de outros sozinhos. E nem sempre sou capaz de explicar o quão forte é tudo o que eu sinto.

Tenho aptidão para desconfiar do que é certo. E mania de não enxergar o óbvio. Costumo não me lembrar do inesquecível. E usualmente me recordo do trivial. Desaprendi a distinguir o certo do duvidoso. Saudade enorme que tenho do que nunca aconteceu realmente. Lembranças boas de momentos que ainda estão para acontecer. Acho que chegou o tempo que me cansei de esperar: começarei a agir. Mas meus pensamentos vagam para longe de mim. Vontade de viver sem mais desistências! Desejos insanos e irrealizáveis de aprender a dizer o que penso sem medo de censuras...

Me pego amando tanto algumas trivialidades que, na verdade, não me dizem respeito. E, com frequência, mal presto atenção ao que de fato deveria me importar. Gasto o meu tempo com as coisas erradas. Sonhei alto demais, a queda me machucou. Que irônico perceber que continuo persistindo nas mesmas bobagens – devo mesmo ser muito masoquista.

Olhares


Meus olhos já viram muito do mundo. Luz, sombra; medo, alegria; ausência, saudade. Não duvide do que sou capaz de sentir. Não subestime as minhas emoções.
Apesar de tudo, ainda há vezes em que me pego cega diante da situação, como se tateando no escuro com medo de esbarrar em alguma coisa potencialmente frágil. Meu coração outrora indeciso, finalmente se resolveu: quer mais de mim, menos do que não é meu.
O passado ainda fala comigo, sussurra coisas: mas tenho a leve impressão de o estar ignorando. Experiência adquirida nem sempre é uma boa conselheira. Acho que simplesmente deixei de me guiar pelo que pode parecer difícil demais de suportar. O cansaço não passa, fico nesse desânimo disfarçado. Faço de conta que não me importo, mas isso me corrói. Olhos fundos, esquecidos em meio a olheiras. Lê-se em meu rosto abatido que as forças estão esvaindo-se lentamente. Eu aqui, no meu canto, nem vazia e nem cheia: estagnada, vendo o mundo desse meu jeito meio torto.
Sozinha agora, arquiteto planos em minha mente. Penso, repenso  para no fim concluir o de sempre: as coisas não vão ser como planejei. Nunca foram. Eu só queria sentir aquele gosto de surpresa boa, que dá frio na barriga só de pensar. Acho que sonho demais, realizo de menos. O estranho é essa minha mania de não desistir de tentar. Quem sabe seja um defeito...


terça-feira, 22 de maio de 2012

Um fim



A campainha toca. Mas levantar-se do sofá parecia um crime. A TV ligada no canal que exibia aquela programação debochada de início de noite de domingo. Cerveja e controle remoto ao alcance da mão. Vestígios de fast-food e salgadinhos baratos sobre a mesa de centro, dividindo o espaço apertado com o cinzeiro  e os pés, que descansavam ali em cima.
Primeiro um palavrão sussurrado. Depois um grito mal humorado:  Quem é?
Nenhuma resposta veio do outro lado, o que só fez aumentar a irritação. Nem o apartamento, nem o humor, estavam adequados para receber visitantes inesperados.
A campainha toca novamente. Palavrão em voz alta, seguido de uma pergunta indignada:  Será que não dá pra esperar um minuto?
Respira fundo e esfrega os olhos, mas o único cheiro que sente é o da própria ressaca. Tira os pés da mesa de centro, fica de pé. Tanto tempo parado na mesma posição que precisou espreguiçar-se, numa tentativa inútil de acordar os músculos doloridos. Caminha até a porta e abre.
 O que poderia ser tão importante que interrompeu o meu...  a pergunta morre na garganta.
Era ela. A causadora da desordem: no apartamento e no coração.
 Você está bem?  pergunta, analisando-o.
 Você se importa?  retruca ele, sob efeito do álcool.
 Pra ser sincera, não mais  empurra-o para o lado, entra no apartamento  Só apareci para pegar o restante das minhas coisas.
Aquelas palavras doeram. Ele engoliu seco, sentindo um amargo que era da cerveja, mas pensou que fosse do arrependimento.
Ela passeou pelo apartamento com seu andar dançante, pegou algumas coisas no meio da bagunça e não fez sequer comentário sobre o mal estado daquele lugar. Ele assistia inerte e boquiaberto ao momento em que seu pior pesadelo estava se realizando.
Antes de ir embora de vez, ela perguntou:  Estou esquecendo alguma coisa?
Ele sentiu vontade de dizer que sim: “Sim, está esquecendo a mim. Leve-me contigo!” Quis implorar por uma segunda, talvez terceira ou centésima chance. Pensou em prometer melhorar, mas sabia que já quebrara esse juramento antes. Desejou que ela percebesse que finalmente tinha aprendido a lição  mas será que isso era verdade? Ponderou sobre o que dizer. Em um milésimo de segundo, decidiu: talvez rápido demais. E a resposta foi:  Não.

Liberdade



Não são as pessoas. São os sentimentos: são eles quem mudam.
Sinto falta de algumas coisas que não farão mais parte de mim. Não que eu esteja triste  e também não me atreveria a mentir dizendo que estou feliz. Acho que a palavra que melhor define o meu estado de espírito atual é "alívio". Um enorme fardo foi tirado dos meus ombros e uma estaca do meu coração. Quando parar o sangramento, estarei mais forte.
Vou dedicar mais tempo a mim. Organizar ideias; mudar conceitos, retomar ideais dos quais abri mão. Acho que chegou a hora de encarar de frente todas as coisas que me induziam a recuar. Sinto o peso da liberdade.
Não é o fim. Apenas mais um recomeço.